Arquivo da categoria: Facetas

Você é boa companhia?

Outro dia ouvi uma amiga minha dizer:

– Li um artigo sobre comportamento humano que diz que nós somos a média das cinco pessoas com as quais mais convivemos…

Ela continuou falando sobre o tema. Resgatamos uma infinidade de ditados e expressões seculares que revelam a força do convívio em nossas vidas e que essa verdade já é conhecida há muito tempo. Trata-se de senso comum. Quem nunca ouviu a expressão bíblica, “Diga-me com que andas que eu direi quem tu eres”? Também o provérbio chinês diz que as más companhias são como um mercado de peixe, em que acabamos por nos acostumar ao mau cheiro. A Bíblia, em outra passagem, reforça o conceito ao afirmar em Provérbios (13,20) que “quem anda com os sábios será sábio, mas o companheiro dos tolos sobre aflição”. Concordo com aquilo que cada uma dessas expressões afirma, porém a minha indagação vai um pouco além. Se eu sou a média das pessoas que andam comigo a média dos outros é influenciada pela minha presença?

Tendencialmente, nós olhamos para o nosso umbigo. Analisamos a influência a que nós estamos sujeitos. Assim, podem ser lidos muitos artigos que afirmam que se você se associa com preguiçosos há uma propensão a que você desenvolva a preguiça. Se você anda com pessoas que alimentam pensamentos negativos logo você também será um pessimista. Se você convive com pessoas pouco caprichosas em pouco tempo você será um relaxado. E por aí vai o rol de influências a que estamos expostos no convívio com os nossos amigos e colegas de trabalho. Os conselhos para que não sejamos tão duramente atingidos por essas influências vindas do ambiente são vários. Um deles diz que devemos nos afastar de pessoas que nos induzem a assumir maus hábitos. Outro deles diz que devemos nos aproximar de pessoas que possam servir de exemplo e de modelo para que desenvolvamos boas práticas e comportamentos que nos impulsionem positivamente. Também concordo com isso. Agora as perguntas que faço são as seguintes: qual é a minha influência sobre os meus amigos e o meu ambiente? O que eu tenho deixado de positivo? Tenho eu sido um exemplo de diligência e não de preguiça? Tenho eu alimentado pensamentos e ações positivas com uma visão não pessimista? Tenho eu sido um exemplo de assiduidade e capricho para aqueles com quem convivo?

Acredito ser importante responder a tais perguntas, porque se eu sou a média das pessoas com as quais convivo, as pessoas que convivem comigo têm na média delas a influência dos meus comportamentos. Veja a responsabilidade que nós também temos com a melhoria do ambiente. Se eu sou afetado pelos outros eu também afeto os outros.

Por fim, pergunte-se: se eu posso melhorar com as minhas companhias, as minhas companhias podem melhorar comigo?

boa-companhia

Fonte: http://www.fatosdesconhecidos.com.br/10-tipos-de-amigos-que-todo-mundo-tem/

Quem é mais importante: o Papa, Barack Obama ou …?

Outro dia fui abordado por uma pessoa que assistiu a uma das minhas palestras. Ela disse-me o seguinte:

– Gostei muito, muito da sua palestra. A mensagem e a energia caminharam num processo de ascensão contínua. Terminou de forma espetacular!

Agradeci sinceramente, procurando não me deixar levar pela vaidade. Os elogios nos envaidecem e podem nos fazer acreditar de que somos mais do que realmente somos. O meu amigo continuou:

– Só queria dizer que tem um ponto que eu não concordei muito… Ou não entendi.

– Ah é? Respondi querendo saber o ponto.

Ainda que soubesse perfeitamente que uma crítica é a melhor maneira de melhorar o próprio desempenho, o comentário pegou-me de surpresa. Deixou-me um pouco na defensiva, mas procurei não demonstrar. Eu emendei:

– Isso é bom. Se não concorda é um sinal de que há uma forma diferente de se entender o mesmo assunto. Qual é o ponto?

A partir daí o meu amigo explicou que na minha abordagem eu falo que devemos olhar para frente e aprender com quem está lá. A observação é uma boa forma de aprendizagem. Que devemos olhar para os lados, trocar experiências para aprender e ensinar. Compartilhar com os outros nos faz crescer a todos. Olhar para trás para saber se alguém está lá. Caso haja perguntar por que não está avançando ou se sou eu que estou indo na direção errada. Olhar para cima para entender que somos parte de um todo. É a importância da visão sistêmica que nos faz ver que somos importantes. Olhar para dentro e saber que as respostas estão conosco.

Ele continuou:

– Com tudo isso eu concordo em gênero, número e grau. A questão que me pareceu um pouco estranha é quando você fala que também se deve olhar para baixo e que ali não deve ter ninguém. Como seria isso? Se nós estamos numa organização sempre vai ter alguém numa posição mais alta e outro numa posição mais baixa. Por isso não concordo ou não entendi…

Fiquei feliz com o comentário. Era uma excelente oportunidade para tocar num dos pontos que mais me encanta que é a falsa noção de importância como resultado da posição hierárquica. O olhar para baixo e não ter ninguém lá não se refere a uma estrutura hierárquica. Ela se refere ao entendimento de que somos todos igualmente importantes quando se trata de uma ou de outra vida. A importância de um e de outro numa organização, num processo ou num sistema em função de um cargo na estrutura hierárquica se refere tão somente as responsabilidades. Não tem nada a ver com a importância da vida de um ou do outro. E esse é um dos grandes desafios da atualidade. Entender que não há diferença de valor entre as vidas das pessoas, sejam elas quem forem. Quem é mais importante o porteiro ou o diretor presidente? Não há diferença no que concerne ao valor intrínseco da vida. Pode haver, e há, uma grande diferença naquilo que se refere às responsabilidades de um e de outro, assim como nas recompensas atribuídas a um e a outro. Cabe destacar que a posição hierárquica é circunstancial. Pode-se estar numa posição hoje e noutra amanhã. Por isso, é fundamental entender que a diferença, a importância e a relevância de um e de outro pode variar na hierarquia das responsabilidades, mas não no valor da vida.

A vida de um e de outro tem o mesmo valor, independentemente da sua posição hierárquica na organização, no país ou no mundo. Alguém pode discordar, mas daí eu lhe pergunto: quem é mais importante, o Papa, Barack Obama, você ou o seu filho?

Ter preconceito é normal

Imagine você ler uma manchete de jornal que diz, “As melancias são colhidas em árvores na Tasmânia”. Naturalmente a sua mente formularia uma explicação para esse fenômeno, mesmo não o conhecendo. Isso é preconceito. Uma ideia formada sem conhecer o assunto. É natural que ele surja em nossas mentes quando somos confrontados com situações desconhecidas. Não há nada de errado nisso. Pode ser errado aquilo que nós fazemos com essas explicações preconcebidas. Quando nós não as esclarecemos e não as elucidamos, tornando-as superstições, gerando intolerância e fixando-as em nossas mentes sem fundamentação séria ou imparcial tem-se o preconceito como comumente é conhecido. No caso das melancias eu posso elucidar o fato e saber que se trata de um embuste. Pelo menos por enquanto… Também posso aceitar a notícia como verdadeira e passar a reproduzi-la criando um círculo vicioso de conceitos errôneos sobre um fato sem a mínima comprovação. Assim, uma ideia ou um conceito formado antecipadamente se cristaliza em nossa sociedade gerando o preconceito que pode ferir e machucar pessoas.

Criar e disseminar um preconceito como o da melancia, possivelmente, não geraria nenhum tipo de mal maior. O preconceito também é natural no mundo das ideias. Aquele insight brilhante, muitas vezes, não passa de um preconceito. As pessoas imaginam uma solução para algo que não conhecem em sua totalidade. O que você fará com essa ideia é que determinará se continuará sendo um empecilho para o desenvolvimento ou uma oportunidade de crescimento. Caso você consiga atualizá-lo concernente à realidade você está no caminho do aperfeiçoamento. Por outro lado, caso você prefira ficar se alimentando do conceito formado antecipadamente a partir de ideias sem fundamentação, aí sim se adentra no mundo do preconceito pejorativo com toda a carga negativa que se conhece. Ao se avançar para as preconcepções sobre pessoas com determinadas características físicas ou intelectuais entra-se numa área sensível, embora também seja normal que se criem em nossas mentes conceitos sobre quem nós não conhecemos. Ao ouvir um locutor de rádio com aquele vozeirão todo, muitas vezes, nós imaginamos um homenzarrão por trás de um microfone. Todavia, quantas vezes ao nos encontrarmos com o locutor nos deparamos com uma pessoa muito diferente daquela inicialmente imaginada. Até aí tudo bem… O malefício do preconceito não advém de tê-lo, porque isso é natural, mas do que cada um faz com ele.

Quando as pessoas usam essas ideias preconcebidas sem aclará-las, as suas manifestações terminam por exibir atitudes discriminatórias frente a pessoas, situações e tendências comportamentais. E você? Como estão os seus preconceitos? Sim, acredito que eles sejam normais… Porém, não é normal pautar a própria vida e a de outros sem questionar os preconceitos. Não é normal acreditar que as melancias são colhidas em árvores sem tentar saber se é possível ou não. Não é normal discriminar alguém pela sua condição física, intelectual ou comportamental. É normal usar os preconceitos como oportunidades para ampliar os conceitos, mantendo a mente flexível para modificá-los e ajustá-los ao longo do tempo. Tudo muda o tempo todo. E isso se aplica a tudo sobre o que nós convencionamos como conceitos e preconceitos. Olhe mais uma vez!

preconceito

Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços humanos

“A súbita abundância e a evidente disponibilidade das experiências amorosas podem alimentar (e de facto alimentam) a convicção de que amar (apaixonar-se, instigar o amor) é uma habilidade que se pode adquirir e que o domínio dessa habilidade aumenta com a prática e a assiduidade do exercício. Pode-se até acreditar (e frequentemente acredita-se) que as habilidades do fazer amor tendem a crescer com a acumulação de experiências; que o amor será uma experiência ainda mais estimulante do que a que estamos a viver actualmente, embora não tão emocionante ou excitante quanto a que virá depois.

Essa é, contudo, outra ilusão…” (Páginas 21 e 22)

amor-liquido-foto-02

Fonte da imagem: https://osegredo.com.br/2016/06/amor-liquido-sobre-a-fragilidade-dos-lacos-humanos/

(Amor Líquido – livro de Zygmunt Bauman)

 

Pelo fim do descartável!

Saímos rapidamente de produtos duradouros para os produtos descartáveis. Há poucos anos se faziam produtos para uma vida ou para várias gerações. Hoje os produtos são feitos para um uso. Tudo nos parece mais simples quando se pode usar e jogar fora. Um copo em que se toma um gole de café vai para o lixo. Uma sacola em que se levam produtos uma só vez é posta fora. Uma embalagem que tem dez vezes mais material do que o produto não serve para mais nada. E assim criamos carros, geladeiras e lâmpadas descartáveis. E pior. Também criamos as relações descartáveis. Muito mais fácil do que manter os colaboradores por toda uma vida na organização é trocá-los por novos. Muito mais fácil do que manter uma amizade por toda a vida é fazer novas. Muito mais fácil do que manter uma relação conjugal por toda a vida é sair da primeira, para a segunda, terceira e assim até que a morte nos leve. A diferença entre os produtos e as relações descartáveis é a tendência. Enquanto para os produtos já tomamos consciência de que o descartável não é a solução, nas relações a tendência é de que o descartável seja a melhor opção.

As pessoas e, consequentemente, as organizações começaram a tomar consciência de que lixo é um conceito equivocado ao se tratar de produtos. Não há como jogar fora. Posso até jogar fora da minha vista, mas aquilo que entendemos como lixo ainda estará nos lixeiros, nos containers, nos lixões, nos lençóis freáticos, nos rios, nos mares e no planeta. Por isso, é mais inteligente criar produtos duráveis e reutilizáveis, porque não há como torná-los descartáveis. Eles sempre estarão conosco. Assim, já começamos a repensar a cadeia produtiva para que os nossos produtos sejam duráveis e reaproveitáveis. Por outro lado, parece-me que a tendência naquilo que se refere às relações ainda está no caminho oposto. Estamos nos lambuzando na descartabilidade das relações. As organizações demitem e dispensam como se isso fosse a solução para os problemas organizacionais. Elas investem pouco para que os colaboradores realmente possam colaborar. O engraçado é que não há organização sem pessoas e mesmo aquelas pessoas que decidem quem é descartável um dia também o serão. Da mesma forma, a tão falada mobilidade faz com que o mundo fique pequeno e as pessoas migrem pelo planeta com extrema facilidade. Com isso, as amizades são trocadas com o poder do add e do delete. Para que manter os amigos de infância? Descarte-os! O mesmo se aplica nas relações conjugais. Por que investir tempo, explorar as emoções e os sentimentos que poderiam ser preservados e resgatados numa crise se é muito mais fácil encerrar e partir para outro? Principalmente quando se pode exibir aquilo que era um fracasso moral como um caso de sucesso. Percebe-se claramente nos círculos de amigos como as pessoas se orgulham de terem saído de uma relação para estar em outra. Não há compromisso. Não há a luta pelo amor. Há simplesmente a noção de que tudo é descartável. E não se trata de se manter numa relação tóxica em que ambos se prejudicam. Não é uma questão dogmática de “até que a morte os separe”. Trata-se de usar o discernimento presente em quem acredita nas pessoas para construir relações duradouras demonstrando que realmente somos humanos. E parece-me que ainda há muito caminho pela frente até que se entenda que manter pode ser tão ou mais inteligente do que descartar.

Descarte as pessoas e siga em frente. É isso possível? Há um lixeiro humano? Acredito que cabe às pessoas entenderem que enfrentar o que poderia ser um fracasso é uma forma de crescimento. Precisa-se de luta, de vontade, de coragem e de persistência para manter. Descartar qualquer fracassado pode. Entendo que assim como não há um lixeiro para descartar os resíduos do nosso modelo de consumo, também não há um lixeiro humano para descartar os resíduos das nossas relações. As relações estão dentro de nós e não há como jogá-las fora. Tolerar, reconstruir, religar e perdoar são comportamentos mais humanos e inteligentes que podem transformar as nossas relações em verdadeiras lições de amor e respeito, duradouras.

descartavel