Gestão, quando o discurso e a prática estão a quilômetros de distância

Moacir Jorge Rauber
Há dois anos resolvi fazer um mestrado na área de gestão, mais especificamente em recursos humanos. Isto porque na minha formação académica anterior detinha um mestrado em Engenharia de Produção, com ênfase em gestão da qualidade. As minhas atividades profissionais, amparadas no conhecimento académico, baseavam-se em melhorar processos, em reorganizar layouts organizacionais, assim como o fluxo de produção e organização do trabalho. Entretanto, com o passar dos anos, ressenti-me de alguma formação mais humana, porque entendi que não existem processos ou produtos que não sejam feitos pelas pessoas ou para as pessoas.

De início cumpri com as unidades curriculares de Comportamento Organizacional, Gestão Estratégica, Operacional e Internacional de Recursos Humanos, Comunicação, Negociação e Gestão de Conflitos, Formação e Desenvolvimento de Recursos Humanos, Gestão da Mudanças nas Organizações, Gestão de Competências e Igualdade de Oportunidades e Gestão da Diversidade nos Recursos Humanos, todas enfatizando a necessidade de um alinhamento entre as necessidades das pessoas e da organização. Senti-me revigorado, porque toda esta teoria fundamentaria uma nova visão no retorno ao mundo do trabalho, isto porque também as organizações não existem sem as pessoas, assim como os processos. Ou seja, na organização em que se priorizam as pessoas, depreende-se que os processos igualmente recebem a atenção devida. Esta orientação deveria ocorrer sem, contudo, perder de vista a produtividade, a agilidade e a flexibilidade, necessárias para que haja complementaridade entre pessoas e processos, onde a evolução destas favorece os outros e vice-versa. Porém, toda esta visão caiu por terra antes mesmo de eu sair da universidade, pois ela própria tratou de enterrar os conceitos que ensina, por meio de processos que existem para atender a demanda da organização e não das pessoas. Deste modo, apesar da autonomia de gestão universitária, na prática ela é regida pelo ponto, pela vírgula, pelo chamegão e pelo carimbo, que refletem as exigências da burocracia dos processos criados e não para beneficiar o público objeto da sua existência.
Isto fica patente quando se nota a diferença entre a conclusão de uma dissertação de mestrado, o seu protocolo nos serviços acadêmicos e a data para a defesa da mesma perante o júri que a aprovaria ou não. Casos há em que a entrega do trabalho foi feita em Outubro e a defesa se deu em Março do ano seguinte. Apesar de saber desta demora era algo que não me preocupava, uma vez que não tinha nenhuma urgência na conclusão do mestrado. Neste meio tempo, entretanto, uma proposta de trabalho fez com que tivesse que desolocar-me para outro país rapidamente. Com essa nova configuração em mente tratei de acelerar a entrega da versão final da dissertação, já que minha viagem estava marcada para dali 50 dias. Protocolei a entrega da versão final nos serviços académicos, que rapidamente enviaram a versão final para o departamento ao qual eu estava ligado. Depois disto falei com a minha orientadora que acreditou haver tempo suficiente, pois ainda restavam mais de 40 dias. Falei com o diretor do curso que achou ser difícil, mas que faria o possível. Falei com a secretária do departamento que se dispôs a redigir e encaminhar os ofícios para a convocação da apresentação pública de um dia para o outro. Restava apenas cumprir com a rotina de passar pela reunião do conselho científico, marcada para o mês seguinte. Sabe-se que a citada aprovação no conselho não passa de mera formalidade, pois os nomes apresentados pelos orientadores levam a sua chancela. A situação seria complicada, porém possível. A orientadora e o diretor de curso já haviam, informalmente, eleito o arguente para antecipar a leitura da versão final. Mas chegada a data da reunião do conselho científico recebo um e-mail dizendo que a mesma fora adiada por motivo de falta de agenda da presidente. Não havia mais nada a fazer. Eu não conseguiria defender minha dissertação antes de viajar. Entretanto, quando faltavam apenas cinco dias para que eu viajasse, a orientadora conseguiu a aprovação da defesa por meio de uma reunião virtual. Defendi no dia anterior a minha viagem.
Da forma como a situação foi descrita até parece que o processo foi agilizado de uma forma extraordinária. Afinal, eu consegui defender minha dissertação num tempo recorde. Considerando-se o dia do protocolo de entrega da versão final nos serviços académicos e a data da defesa haviam decorrido apenas 40 dias!!! No atual formato não deixou de ser impressionante, pois para que isso fosse apenas imaginável tive que contar com a boa vontade de todas as partes envolvidas. Lamentavelmente, rotinas arcaicas ainda imperam no meio académico, uma vez que o atendimento desta demanda genuína somente foi possível pelo bom senso das partes envolvidas e não pela prática da instituição.
Analise-se a situação sob a ótica de que a organização existe para atender as pessoas e não ao contrário. Deste modo, o prazo de 40 dias para tramitar a defesa de uma dissertação ser considerado um recorde chega a ser deprimente. Considere-se, por exemplo, a pretensão da universidade de internacionalizar as suas ofertas de cursos de graduação e pós-graduação, passando a contar com a presença de muitos estudantes estrangeiros. Assim sendo, o aluno que conclui o seu mestrado terá que permanecer no estrangeiro por pelo menos 60 dias, período em que este terá que continuar a pagar aluguel e todas as despesas associadas a sua estadia no exterior. Ou, caso contrário, adquirir uma passagem ao seu país de origem, aguardar a data e retornar especialmente para a ocasião da defesa. Não me parece ser inteligente, produtivo, flexível, estratégico ou qualquer outro adjetivo que esta lacuna de tempo representa. Mas, principalmente, não me parece adequado termos tamanha lerdeza nos processos justamente na área de gestão, que ensina e alardeia a necessidade de se melhorar os níveis de competitividade. Trata-se de um contra-senso enorme que reflete os quilómetros de distância entre o discurso e a prática de gestão em algumas universidades. Com tantos recursos tecnológicos à disposição um departamento de gestão, este, ao não resolver o problema, ao não oferecer alternativas viáveis para um questão tão simples é parte do problema da baixa competitividade de países em desenvolvimento, estando muito distante de ser parte da solução.

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