Moacir Jorge Rauber
O preconceito é real, é cruel e é prejudicial para quem o sofre e para quem o carrega, uma vez que ele se origina da falta de conhecimento sobre aquilo que se pré-julga. Três anos antes de sofrer o acidente que me deixou em cadeira de rodas vivi uma situação preconceituosa, que se tornou marcante para mim. No meu círculo de conhecidos, um amigo não tão próximo, foi acometido por uma enfermidade que o deixou paraplégico. Ele, à época, tinha 19 anos. Ficou com febre durante alguns dias, o que fez com que procurasse tratamento médico. Acompanhado por familiares, ele entrou no hospital caminhando para sair de lá e nunca mais voltar andar. A notícia se espalhou entre os vizinhos e amigos. Muitos se organizavam para visitá-lo, passar um domingo com ele para dar-lhe apoio, expressar a amizade e também desejar que se recuperasse. Convidaram-me para visitá-lo também. Neguei sob o argumento de que eu não saberia como enfrentá-lo, uma vez que eu o conhecia como um andante e não como um cadeirante. Foi esta a minha reação frente ao desconhecido. O preconceito manifestava-se em mim, fazendo com que eu deixasse de apoiar um amigo e, ao mesmo tempo, tornando-se um fardo, que, nos recônditos da alma, incomodava-me. Eu não sabia olhar mais uma vez.
Jamais poderia imaginar que dali a três anos eu viria a estar na mesma situação, vítima de um acidente automobilístico. Deste modo, de preconceituoso eu passava a estar na condição de ser vítima dele. Agora eu teria que olhar mais uma vez. Dei-me conta que o preconceito não surge pela maldade das pessoas, mas, sim, pela falta de conhecimento. Com essa consciência pude colocar-me numa situação em que eu procurava demonstrar para as pessoas que não havia a necessidade de temer-me ou de evitar-me, porque a essência do ser humano continuava a mesma. Depois de reabilitado, passei a circular mais em público do que fazia antes. Algumas vezes doía-me, porque, inicialmente, algumas pessoas me estranhavam, mas rapidamente me aceitavam pelo que sou.
Este comportamento ajudava a romper com o meu preconceito para comigo, assim como dos demais com relação a mim e também para com outras minorias. Entrava, desta maneira, num ciclo virtuoso de quebra de preconceitos, fazendo com que muitos rompessem com as amarras impostas pela falta de conhecimento sobre as pessoas com deficiência. Para mim o resultado também era favorável, porque eu podia ajudar e ser ajudado. Todo o apoio recebido de familiares e amigos foi despoletado pela disponibilidade em recebê-lo. A abertura que eu dava permitia que as pessoas se aproximassem e percebessem que no íntimo somos todos iguais. Permitia que olhassem mais uma vez, entendendo que os sonhos, os desejos e as aspirações eram as mesmas, independentemente da condição física, social, étnica ou outra que, aparentemente, possa nos diferenciar.
Não vou negar que a condição de cadeirante me fez passar por inúmeras situações constrangedoras, mas, por outro lado, as situações positivas as superam largamente. Por isso, o preconceito inicial que eu tinha com relação as pessoas com deficiência terminou por ser uma oportunidade de crescimento pessoal sem comparação. Como todo indivíduo tenho minhas convicções e meus conceitos, mas estes passaram a ser muito mais flexíveis, por entender que sempre tenho a oportunidade de olhar mais uma vez!