Moacir Rauber
A expressão que dá título ao texto tem sido usada cada vez com mais frequência, representado uma inversão completa de valores que a sociedade vai aceitando como normal. Quem já não ouviu a notícia de um assalto em que os comentários do público não se indignam com o comportamento do infrator, mas com o descuido da vítima? Essa realidade tem se repetido por todas as cidades brasileiras, desde as metrópoles até as mais pequenas.
Outro dia estávamos nós no centro de Porto Alegre acompanhando uma equipe de remadores na competição estadual. No final do dia, logo após o período de treinamento, nos dirigimos ao mercado público para jantar. Ao cruzarmos a rua, próximo a um acesso subterrâneo, vimos uma mulher ser assaltada e ouvimos os seus gritos desesperados, porque o ladrão havia levado a sua bolsa. Algumas pessoas levantaram a cabeça e direcionaram-lhe um olhar, para em seguida continuar seu caminho, imersos em seus pensamentos com os seus próprios problemas. Nós, ali parados feito um bando, da mesma forma olhamos, até nos espantamos com a tranquilidade com que o assaltante se evadiu do local e também seguimos para o jantar. Entre um e outro do grupo que ainda se admirava do ato violento presenciado a grande maioria concordava que a mulher estava “pedindo para ser assaltada”. Como poderia ela caminhar com tanto descuido, deixando a sua bolsa dependurada no seu ombro com o conteúdo voltado para trás? Esse pensamento é de uma incivilidade tremenda a que estamos sendo levados sem nos darmos por isso. O mesmo raciocínio se aplica aos moradores que não cercam com muros e que não protegem suas casas com alarmes, câmeras e vigilância 24h; aos moradores de prédios e condomínios que não mantém todo um aparato de segurança; aos proprietários de veículos que não trancam seus carros, que não os equipam com alarmes e sistema de monitoramento por satélite, além do seguro que encarece não pela probabilidade de acidente, mas pela alta frequência dos roubos. É por isso que as pessoas gastam tanto com serviços de segurança que não deveriam, elevando drasticamente o custo de vida. Considere-se que a grande maioria da população é composta por pessoas de boa índole e que se comportam como as boas regras da convivência determinam. Entretanto, essa mesma maioria tem-se deixado levar pela imposição de comportamento de uma minoria de assaltantes que estão implantando uma nova ordem moral em que as pessoas ficam indignadas com a vítima e não com o crime ou com o criminoso. O certo seria eu poder andar tranquilamente pelas ruas de qualquer cidade em qualquer horário sem ser molestado por assaltantes ou delinquentes, muito menos ser taxado de descuidado ao sofrer uma violência contra meu direito de ir e de vir. Da mesma forma o certo seria poder deixar o carro aberto, as casas e os jardins sem muros e os condomínios sem grades. O certo seria que o ato de um assaltante gerasse indignação o suficiente para que os transeuntes se reunissem, o detivessem e o encaminhassem para a delegacia mais próxima, porque era ele quem “estava pedindo” para ser preso.
Todos deveriam se indignar com aquilo sobre o qual já não se indigna mais, pedindo que as regras da boa convivência sejam respeitadas e que as leis sejam cumpridas para que se tenha a liberdade de desfrutar de paz e tranquilidade sem correr o risco de sofrer um ato violento e ainda ser considerado culpado por isso. Considera-se, assim, que se precisa um pouco mais de rigor na observância das leis que acordamos como sociedade, porque somente esta poderá proporcionar a liberdade que em tese se tem num país democrático.
É isso que se está pedindo!