Ádina Mirza
Houve um tempo em que as pessoas e seu constante matraquear me faziam arder os ouvidos. Não era capaz de sentar muito tempo em meio a uma pequena multidão – fosse num shopping, numa praça ou num restaurante. A espera ruidosa antes de um espetáculo me incomodava, sobretudo. O alarido de vozes e risos como antecipação a um momento artístico me doía nos tímpanos, ressoava em meu cérebro como ondas gigantescas de água furiosa transbordando de diques. Invariavelmente, me irritava a ponto de consumir a paciência arduamente conquistada no passar dos anos de juventude para a maturidade. Sempre queria fugir ou tapar os ouvidos com grossas bolas de cera. Tudo isso para fugir do ruído incessante que parece o moto contínuo da maioria dos seres ditos humanos.
Depois, comecei a elaborar em minúcias uma resistência calada, mas espessa e sólida. Adquiri uma dura camada de insensibilidade auditiva, mesmo durante altercações familiares ou festividades de altos decibéis. Conseguia passar quase impávida entre a massa de impropérios ou exclamações de júbilo natalino ou esportivo… Esse tempo foi divertido até. Porque conseguia me mover entre outros com a sensação de caminhar através de um plasma invisível que me permitia observar gestos e feições em seu aspecto mais bruto – ou natural, se assim o queiram… Minha mente fotografava instantes de puro estupor e de doce deleite. Podia observar, em detalhes e secretamente, as emoções mais esdrúxulas ou comoventes. Podia rir, depois, à margem, de tudo que havia visto. Isso tudo passou. Mesmo os atos mais risíveis começaram a me parecer monótonos.
Surgiu, então, uma nova sensação. Aos poucos, comecei a entender o movimento humano como se lesse olhares e espreitasse mentes. Não precisava mais de sons ou ruídos. Aprendi a decifrar gestos, a vislumbrar pensamentos. Não precisei mais ouvir palavras, já intuía intenções e desejos. Passei a descobrir, então, a música que cada um carrega pela vida afora. Agora posso enxergar as nuances de cores e as ondas de calor que circundam aqueles que cruzam meu caminho. E, assim, por meio dos halos de luz que criam ao redor, posso ouvir a música que produzem. Há belas sinfonias, canções antigas, melodias desafinadas e gorjeios de pássaros. É assim que ouço, hoje, o mundo e os seres. E não há outro som que me encante mais. Porque posso escutar, todo o tempo, as músicas que movem a vida.