Um cara de sorte!!!

Moacir Rauber
Encostava meu carro e começava a montar a cadeira de rodas ao lado. Ajeitava-me e, acompanhado da Andreia, dirigia-me à casa de quem iria convidar para o casamento.

– Boa tarde, como vai? Tudo bem?

– Boa tarde. Tudo tranquilo. Que prazer em receber a tua visita…

– Pois é, nós viemos aqui para lhe entregar o convite do casamento da minha noiva.

Apontava para a Andreia e dizia:

Ela vai se casar…

As pessoas ficavam um pouco embaraçadas… Alguns logo entendiam a brincadeira e riam. Outros demoravam um pouco e então eu explicava:

– Sim, ela vai se casar comigo. Aqui está o convite para a cerimônia e a festa de casamento…

Logo a gargalhada para quem eu entregava o convite aparecia. Muitas pessoas, principalmente aqueles que não conheciam a minha noiva, olhavam-na, depois se voltavam para mim, ainda sorrindo, e diziam:

-Moacir, você é um cara de sorte!!!

Esse era o momento em que eu gargalhava para depois explicar:

– Sorte tem ela. Uma moça de 20 anos encontrar um cara de 32 completamente livre e desimpedido, sem ex-mulher, sem filhos e com muito amor pra dar. Isso é uma raridade. Ela encontrou uma pérola…

E voltava a dar uma risada frente ao ohar incrédulo e, muita vezes, indignado dos ouvintes. Principalmente as mulheres…

Nas situações em que eu ia sozinho para entregar o convite eu fazia a mesma abordagem. Contava-lhes que minha noiva iria se casar e as pessoas se colocavam pensativas e condoídas, para depois dizer:

­– Pois é, Moacir. Eu sinto muito. Sempre achei meio difícil…

– Não, mas ela vai se casar comigo… eu emendava. As risadas apareciam, o convite era entregue, os cumprimentos eram dados e a constatação por parte dos outros de que eu era um cara de sorte era feita.

Realmente posso me considerar um sujeito de sorte, considerando-se que fiz a opção por ser um cadeirante aos 19 anos de idade. Entretanto, há que se lembrar que não há glória nisso. E acredito que passei a ser um “cara de sorte” a parti do momento em que entendi que eu era apenas um usuário de cadeira de rodas. Eu não era um cadeirante. Nesse pequeno jogo de conceitos tem uma grande diferença em como se vê o mundo. Admitir ser um cadeirante é incorporar a deficiência na personalidade da própria pessoa, sendo a cadeira de rodas um fator limitante. Consentir em ser um usuário de uma cadeira de rodas é fazer dela um equipamento que permite ampliar as possibilidades, transformando-a num instrumento para se alcançar infinitas oportunidades. Não há sorte nem glória em ser um cadeirante. Mas transformar-se num simples usuário dela determina aquilo que somos.

E nós somos o que fazemos com aquilo que temos. Assim, posso dizer, Eu sou um cara de sorte!, porque, além de tudo, minha noiva casou comigo…

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