Idade nem sempre é sinônimo de maturidade…

Moacir Rauber
As pessoas que tem alguma deficiência estão viajando cada vez mais. Isso é marca de uma evolução tremenda. Nos aeroportos, mesmo com alguns problemas de acessibilidade, cada vez mais se vê pessoas com diferentes tipos de deficiência. Usuários de cadeiras de rodas vítimas de acidentes ou adquiridas com a idade. Pessoas com deficiência auditiva por um motivo ou outro. Pessoas com deficiência visual da mesma forma. É um movimento como nunca visto na história da humanidade que pode significar a nossa humanização. Entretanto, ter alguma deficiência ou ter mais idade não necessariamente significa ser uma pessoa do bem ou ter maturidade.

Naquele dia embarquei em São Paulo com destino a Florianópolis. Como de praxe as gestantes, mulheres com bebês, pessoas com mais idade e pessoas com alguma dificuldade na mobilidade são tratados como prioridades. Assim, quando abre o portão de embarque eu já me aproximo para não atrasar os outros. Cheguei próximo a atendente da companhia e vi uma senhora muito elegante também usando uma cadeira. Fiquei ao lado dela. Ela me olhou e fez aquela pergunta indiscreta: O que foi com as suas pernas? Fiquei meio sem jeito e respondi que fora um acidente, mas que já estava tudo bem. Logicamente que ela não se contentou com uma resposta tão simples. Fez mais algumas perguntas sem esperar uma resposta, porque na verdade ela estava quereno falar da desgraça dela e desandou a falar de suas desventuras e de seu sofrimento. Ela estava usando a cadeira temporariamente para resolver um problema que lhe surgira na perna. Não duvido que estivesse sofrendo, mas não também não estava a fim de ouvir toda aquela ladainha. Por sorte logo o embarque começou. Chegando até a aeronave o comissário perguntou qual era a poltrona. Ela disse, É a 2C, mas eu vou ficar aqui na primeira… O rapaz, educadamente, tentou demovê-la dizendo que a poltrona seria ocupada por uma senhora com bebê. Ela retrucou, Eu vou ficar aqui, ela que sente para trás. Se for o caso darei luz a uma criança… e gargalhou. Eu me acomodei ao lado. Logo começou o embarque dos demais. Chegou a dona do assento com uma criança de colo. Ela olhou para a senhora e disse de uma forma bem educada, Essa poltrona é minha…A senhora idosa somente virou a cara de lado e respondeu, Sente na detrás. É muito difícil para que eu me mova… E fechou a cara. Aquela mãe ficou sem saber como reagir dirigindo-se até a poltrona de trás que é menos espaçosa. Acomodou-se com a criança e não disse mais nada. A senhora idosa todo prosa disse que ela não daria lugar porque os outros teriam que se virar como ela. 

A viagem de cinquenta minutos transcorreu sem que ninguém falasse nada. Creio eu que todos estavam em choque pelo comportamento completamente egoísta daquela senhora idosa. Onde estaria a tão falada maturidade que chega com os anos vividos? Onde estaria a bondade que normalmente se vê nas feições das pessoas com mais idade? Certamente não estava com aquela senhora. E não havia nada em sua conduta que pudesse indicar alguma alteração de personalidade em função da idade avançada. Pareceu-nos que ela sempre fora assim…

Aterrissamos em Florianópolis. Logo que a porta se abriu a distinta senhora já se havia posto em pé. O comissário se aproximou pedindo para que ela se sentasse e aguardasse até que a cadeira de rodas chegasse para que ela pudesse descer com segurança e conforto. Ela retrucou, Não. Vou descer agora! O comissário mais uma vez em vão tentou demovê-la da ideia. Lá foi a senhora capengando pelas escadas abaixo, exigindo que o comissário a auxiliasse. A lerdeza com que ela desceu as escadas fez com que mais de 150 passageiros se acotovelassem as suas costas. Mas ela não estava nem aí… Mais uma vez fiquei estarrecido com a falta de sensibilidade daquela senhora. É comum que as prioridades entrem primeiro e saiam por último, principalmente quando se tem mobilidade reduzida. É uma questão de bom senso.

Por isso digo que idade avançada nem sempre é sinônimo de maturidade, assim como pessoa com deficiência não necessariamente é tradução bondade. Quando escrevi o texto Mas ele é cego… recebi inúmeros comentários com diferentes observações. Um deles falava sobre o coração ser a única linguagem de um cego e indagava-me se eu já havia experimentado tal sensação. Posso até concordar que seja uma das linguagens, mas não a única, assim como não acredito que o fato de ser cego, usuário de cadeira de rodas, surdo ou pessoa com outro tipo de deficiência seja indicativo de bom coração. Acredito que maturidade e bondade são resultados da construção do caráter, não tendo ligação direta com a idade ou com a condição física. O coração, da mesma forma, pode sentir coisas boas e outras nem tanto assim, dependendo do caráter de cada um saber o que fazer com isso.

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