Um sorriso, um abraço ou um beijo…


Moacir Rauber


A chegada de um brasileiro a outro país é precedida pela imagem de ser alegre, descontraído, expansivo, afetuoso e festeiro, entre outros adjetivos positivos vinculados a tais ideias. Por outro lado, também se é antecedido pelo senso comum de que possam ser impontuais, inexatos, pouco confiáveis e preguiçosos, segundo inúmeros adjetivos negativos a que os brasileiros também são ligados. Isso tudo são estereótipos criados e disseminados por meio de generalizações, expondo as pessoas a elas, para o bem ou para o mal. Da mesma forma os japoneses, os italianos, os alemães, os americanos, os mexicanos, os ingleses ou os sauditas são antecedidos por uma série de conceitos e imagens relacionados a sua cultura quando saem de seus países ou de suas regiões.

Em 2012 tive o prazer de permanecer por um mês em Vancouver, Canadá, uma cidade multicultural na qual facilmente se encontram pessoas de todas as regiões do mundo. Meu objetivo foi o de estudar inglês, assim inscrevi-me numa escola especializada. Lá chegando, no primeiro dia, enquanto esperava o elevador encontrei outras pessoas. Cumprimentei um rapaz que estava ao meu lado em inglês, ainda que de forma um pouco retraída. Ele retribuiu da mesma forma. O grupo em frente ao elevador aumentou. Um pouco depois percebi um jovem bastante falante que estava agitando a área mais para o fundo da fila de espera. Falava um inglês todo atrapalhado, assim como a maioria que ali estava o faria se falasse. Tinha um sotaque muito forte… Chegou a minha vez e subi. Fui para a sala dos pré-testes, recebi as instruções juntamente com pessoas oriundas da Turquia, do Japão, da Coreia, da Alemanha, do México, da Colômbia, da Suíça, da França, da Arábia e de outros países. As pessoas que se dispõem a participar de cursos de inglês no exterior, normalmente, estão com o espírito desarmado e predispostas a interagir com os outros para potencializar a aprendizagem, pois um dos grandes objetivos é desenvolver a fala. Alguns são mais extrovertidos, outros são mais introvertidos. A grande maioria, porém, segue os padrões da organização. Quando se pede silêncio, fazem. Assim, todos acompanhavam as instruções dadas pelos responsáveis da escola sobre a rotina do dia-a-dia dentro da instituição e dicas para melhor circular na cidade. De repente vejo uma muvuca do outro lado da sala e reconheço o mesmo rapaz que havia visto na sala de espera do elevador. Abraçava um e abraçava outro. Falava alto. Tinha um sotaque… Não sei, não quis me basear em estereótipos para prejulgar… O pessoal da organização tentava seguir com a programação de orientação que momentaneamente estava parada. Por fim o movimento se acalmou e os organizadores retomaram o controle seguindo com o programa. Uma das orientações se referia, especificamente, a proibição de se falar nos idiomas nativos com os compatriotas que se identificassem na escola.  Na saída da sala encontro o jovem que havia visto por duas vezes. Ele se aproximou de mim e perguntou em português, Você é brasileiro? Eu respondi, Yes, I´m. And you? Sim, eu também sou. Respondeu ele… Eu vi pela tua mochila… Sou de … (dizendo a cidade). E você é de onde? Nisso uma das coordenadoras passa por nós e diz, Don´t speak portuguese here in the school! Nesse momento ele riu e continuamos nossa conversa em inglês. Disse de onde eu era e por quanto tempo pretendia ficar em Vancouver. Ele também fez mais alguns comentários, sempre numa voz extremamente alta. Por fim disse, Deixa-me ir… Me dá um abraço! Abraçou-me como se fôssemos velhos conhecidos. Estava parada ao meu lado uma aluna da Coreia com quem havia compartilhado grande parte das duas horas de  testes e orientações. Ele olhou para ela, pediu quem era e se apresentou também. Deu-lhe um forte abraço e saiu. Percebi que a coreana ficou encabulada com aquele gesto que a pegou de surpresa.

No dia seguinte cheguei a escola e fui verificar o ensalamento conforme os resultados dos testes de nivelamento. Fiquei feliz ao perceber que estudaria com a coreana. Fui para a minha sala e aguardei que começasse a aula. Muito bacana ver tantos jovens estudando e aprendendo. Os suíços e os alemães, pelo menos nos grupos que participei, tinham um nível de cultura geral impressionantes… As pessoas se apresentando, a conversa fluindo e todos procurando exercitar o seu inglês. Entre erros e acertos todos se comunicavam. Em seguida saímos para o primeiro intervalo. Fomos tomar um café e encontro o meu conhecido brasileiro que me saudou em português. Eu respondi em inglês. Ele se tocou e na continuação falou em inglês. Logo se aproxima a minha amiga coreana que entrou na conversa. Acho que ela estava feliz por ter encontrado mais alguém que ela já conhecia. Porém, o conhecido brasileiro indagou, Who are you? Where are you from? (Quem é você? De onde você é?) Vi nos olhos da coreana um certo ar de perplexidade… Parecia que ela se perguntava, Como assim quem sou eu? Nós já nos conhecemos desde ontem… Realmente ela não devia estar entendendo nada, porque no dia anterior o mesmo rapaz, que agora perguntava quem ela era, a havia saudado, havia se apresentado e havia lhe dado um forte abraço…

Levanto esta questão porque, às vezes, sinto que nós banalizamos palavras, gestos e sentimentos. Lembro-me de um tempo em que para se falar a palavra amor ela realmente deveria estar carregada com esse significado para quem a pronunciasse. Hoje as pessoas falam “amo você” com uma facilidade, para não dizer falsidade, que assusta. Amam o “meu amor” e amam o amigo, mas na primeira crise ou dúvida já odeiam e rompem a relação. Também amam o gato, o papagaio e o cachorro, porque estes não podem contestar nada. “Adoram” a sobremesa assim como adoram a vizinha, mesmo que dela apenas conheçam a carinha. Chamam a quem odeiam de “amigo” e a qualquer um de “querido”, mesmo que não seja nem conhecido. Os gestos também estão desvalorizados porque aperta-se a mão de tanta gente que nem se conhece. Abraça-se uma pessoa e logo depois já se esquece. O beijo, então, é melhor nem falar, porque numa noite de balada faltam dedos para contar. Os sentimentos seguem na mesma linha, misturam-se todos como se do mesmo saco fossem farinha. Por isso digo que banalizamos declarações, toques, sorrisos, abraços e beijos, mas esquecemos que para outros eles ainda podem ser verdadeiros. Não é porque damos um abraço que somos mais afetuosos, alegres, transparentes e autênticos. Ele pode ser a forma de ocultar a verdade que não queremos mostrar. Excesso de exposição pode encobrir certa ligeireza de emoção, porque como diz o ditado, “lata vazia é que faz barulho”. A falta de conteúdo pode fazer com que ocupemos um espaço que não é nosso. Por outro lado, para algumas pessoas um sorriso, um olhar ou um aceno de cabeça pode ser muito mais do que uma declaração de amor ou um abraço.

Por isso, fico alerta sempre que vejo as pessoas atribuindo frieza aos alemães, aos ingleses, aos japoneses ou aos coreanos porque, em algumas situações, eles preferem a distância ao toque. Não gostam que lhe invadam o espaço. Mas não se pode atribuir isso a um povo. Também temos brasileiros que se sentem assim. Não quer dizer que não haja sentimento, apenas que o ritual é outro. Há que se perguntar o quanto representa para cada uma dessas pessoas um sorriso, um aperto de mão ou um abraço? Certamente no caso da coreana que foi formalmente apresentada e saudada com um afetuoso abraço por um brasileiro o seu sorriso teve muito mais valor.

Creio que são diferenças na hora de expressar os sentimentos. Não há certo ou errado. Não é questão de julgamento. Nem sempre é frieza não tocar o outro ou ser introvertido. Nem sempre é calor humano abraçar a todos e ser extrovertido. 

Importa mesmo é ser autêntico sem ser mal educado!

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