Sai daí, seu…!!!

Lá vinha eu rodando devagarinho procurando um local para estacionar. Estava numa rua paralela próxima da Catedral da cidade de Cascavel no Paraná. Um pouco mais a frente vi uma placa que identificava uma vaga para pessoas com deficiência. Ainda bem! pensei. Tomara que esteja livre… Eu já estava em cima da hora para um compromisso num local ali próximo e não havia outro lugar para estacionar. Fui me aproximando da vaga e vi que estava vazia. Estacionei. Subi o vidro. Desliguei o carro. Peguei minha pasta com os documentos no banco ao lado e coloquei no painel em minha frente sobre o volante. Nesse momento vi que havia um homem ao lado da minha porta esbravejando. Gesticulava muito. Parecia irritadíssimo. Mesmo sem olhar comecei a procurar entender o que estava dizendo. Identifiquei palavrões e uma frase mais ou menos assim:
– É por isso que esse país não funciona. As pessoas não respeitam nada nem ninguém. E o senhor aí todo engravatado acha que pode tudo. Sai daí, seu F.D.P!!!
No primeiro instante não havia entendido o motivo de tanto irritação por parte daquele senhor. Ele deveria ter lá seus oitenta anos. Inicialmente fiquei até um pouco receoso que pudesse ser um maluco, mas logo me dei conta  do que estava acontecendo. Fiz de conta que não era comigo. Comecei a me movimentar para pegar a minha cadeira de rodas que estava desmontada na parte de trás do assento do caroneiro. Peguei o quadro da cadeira, puxei-o sobre mim, abri a porta do carro e baixei-o no chão já do lado de fora. Vi de relance que aquele senhor nervoso havia parado de gesticular. Fiz um novo movimento e peguei uma roda, encaixando-a no quadro da cadeira. Fiz novo movimento para colocar a outra roda. O senhor do lado de fora deu dois passos para trás. Ajeitei a cadeira. Puxei-a o mais próxima que pude do carro para poder fazer a minha transferência do banco para a cadeira. Olhei para aquele senhor que agora já estava literalmente com o queixo caído. A cara de espanto não negava que quem não estava entendendo nada agora era ele. A mão no queixo. Ele estava completamente paralisado… Fiz um movimento brusco saindo do carro para a cadeira de rodas. Ajeitei minhas roupas, a gravata e peguei a minha pasta que estava no painel do carro. Fui um pouco para trás e fechei a porta. Novamente olhei para aquele senhor que tentava falar algo:
– Bem… Uh… Não sabia…
Eu  aproveitei para cumprimentá-lo:
– Boa tarde, tudo bem com o senhor?
Ele finalmente conseguiu falar:
– Boa tarde, tudo bem…
Em seguida o senhor ficou novamente em silêncio, com um olhar incrédulo, analisando-me de cima a baixo. Eu somente o encarei com um sorriso e disse:
– Tudo certo! Até mais…
Em seguida comecei a me locomover para dirigir-me ao meu compromisso. Foi então que aquele senhor conseguiu falar outra vez:
– Olha, o senhor me desculpe… É que eu fico aqui olhando e o pessoal que estaciona aqui não tem nada (deficiência…). Quando falo alguma coisa eles ainda dão risada e me insultam…

 – Não há nada que se desculpar. Eu é que agradeço, porque se todos fizessem assim como o senhor certamente o lugar seria respeitado. Muito obrigado!!!
Tem duas situações a serem analisadas na cena: a primeira refere-se a vaga de estacionamento e a segunda à reação daquele senhor.

Na primeira situação tem um agravante para o cidadão que respeita as leis e, consequentemente, as vagas para as pessoas com deficiência. Sou usuário de cadeira de rodas e sempre que posso estaciono nas vagas destinadas para esse fim. O problema se dá quando uma pessoa que não tem deficiência ocupa uma dessas vagas apenas por “um minuto”. As pessoas com deficiência não podem ocupar a vaga que lhes era destinada e estacionam numa vaga qualquer. Em seguida a vaga que era destinada para as pessoas com deficiência é desocupada e o carro da pessoa com deficiência, que lá deveria estar, está ocupando uma vaga comum. Desse momento em diante o carro da pessoa com deficiência passa a ocupar duas vagas dos cidadãos que respeitam as leis. Desse modo, os cidadãos que respeitam as leis não vão estacionar nas vagas destinadas às pessoas com deficiência que têm seu carro ocupando a vaga dos cidadãos comuns. E a outra vaga permanece desocupada. O não cumprimento das normas estabelecidas pela sociedade por parte de seu integrantes produz reflexos em cadeia afetando a vida de diferentes pessoas.

Com relação a reação daquele senhor confesso que me diverti com a situação, logo após entender  o que estava acontecendo. Eu já ria intimamente antes mesmo de montar a minha cadeira, porque imaginava a sua expressão no momento em que ele me identificasse como legítimo usuário daquela vaga. Foi o que aconteceu. Porém, a situação que quero analisar se volta para os julgamentos rápidos que nós normalmente fazemos quando pensamos que entendemos o que está acontecendo, mesmo sem uma avaliação mais aprofundada da situação. Isso ocorre quando usamos o passado para nos fundamentar em ações presentes ou mesmo nos estereótipos que carregamos em nossos modelos mentais. No programa de formação em coaching tem um ferramenta denominada Escada de Inferências que foi trabalhada pelo Prof. “Bob” Hirsch (http://opusinstituto.com.br/com maestria. Trata-se das ações que tomamos baseadas em julgamentos que fazemos a partir da visão, muitas vezes, limitada de uma situação. Como no caso relatado, aquele senhor se baseou na observação de um fato que ocorria diante de seus olhos, escolheu alguns elementos, relacionou-os com outros acontecimentos semelhantes registrados em sua base de dados, articulou-os entre si e fez um julgamento. Fez as associações de forma rápida sem uma análise mais profunda da situação, elaborou uma proposta e partiu para ação. Esse processo ocorreu nos instantes em que ele levou entre observar o carro e partir para os insultos. Poderia se dizer que o senhor pegou o “elevador” e não usou a escada de inferências, porque suprimiu etapas. Não observou o fatos tão atentamente  como imaginara, porque se ele o tivesse feito teria visto que o meu carro tem um adesivo do símbolo universal da acessibilidade que identifica usuários com deficiência. Assim, a seleção dos dados usados para articular com outros já registrados em sua memória foram insuficientes, prejudicando todo o percurso de raciocínio que nos leva aos julgamentos que fundamentam as nossas ações. Tivesse aquele senhor dado um passo atrás, ampliado o seu campo de visão, percorrido todos os degraus previstos na escada de inferência, certamente a sua ação teria sido outra. Não teria pagado o mico de ter que se desculpar, mesmo tendo procurado fazer a coisa certa.

Desse modo, antes de falar para alguém, Sai daí, seu F.D.P.!, dê um passo atrás, amplie sua visão, rearticule o dados, analise e proponha uma ação condizente com a situação.

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