Prontinho para embarcar. O ônibus encosta e logo vejo o sinal de acessibilidade na porta. Mas eu sei que a acessibilidade é limitada. O motorista desce, olha e me vê. Muitas vezes, motoristas de ônibus e taxistas quando veem um usuário de cadeira de rodas já ficam apreensivos. Não me pareceu o caso… Ele faz um cumprimento com a cabeça, enquanto é abordado por outros passageiros. A agonia para entrar logo no ônibus é impressionante. Não é só em ônibus. Onde quer que haja uma porta, um acesso ou a indicação que se pode passar, logo que o primeiro se para em frente a fila se forma. Mas não é disso que vou falar… Minha esposa e eu continuamos a observar a muvuca. Vimos pessoas alegres. Vimos pessoas serenas. E vimos outras tantas com aquele ar nervoso, irritado e estressado. O motorista, porém, era saudado com alegria por quase todos. Percebia-se que muitos o conheciam. Tratavam-no com simpatia, porque assim ele os recebia. O seu semblante transmitia a mensagem de que o trabalho que fazia não lhe era trabalhoso. Os estranhos, acredito, eram contaminados por aquele jeito brincalhão e terminavam por se descontrair também. Vi que ele olhou novamente em nossa direção. Aproveitei para me aproximar e dizer:
– Fica tranquilo, pode embarcar os demais que no final nós subimos.
O motorista deu um sorriso, fez um sinal de positivo e continuou o seu trabalho. O rapaz que nos havia vendido as passagens estava ajudando os passageiros com as malas. Era ágil e também exibia o comportamento de que o seu trabalho era algo fácil. Percebia-se que muitas malas pesavam muito, mas não lhe parecia pesado. Quase todos já haviam entrado e nós ali observando. Comentei com a Andréia:
– Como será que vai ser melhor para subir? Eu me arrastar ou pedir para que me subam? Dá uma olhada, a escada tá bem suja…
– É, disse ela, acho que eles vão nos ajudar. Eu posso carregar as tuas pernas e eles te pegam nas costas.
Logo chegou a nossa vez. O motorista e o seu ajudante se aproximaram. Para quebrar o gelo fiz um brincadeira:
– Bom, ainda sobrou uma mala pra vocês… Referindo-me a mim.
Eles sorriram e me perguntaram se eu tinha algum movimento. Como disse que não eles pediram como queria que eles me ajudassem.
– Um pode pegar nas pernas, aqui na região dos joelhos, e o outro terá que me pegar por trás…
Fez-se silêncio. Brinquei:
– Pode pegar, mas com todo respeito, viu?
Todos rimos. O motorista então falou:
– Ô, Amado Batista, vê se não ri aí. A esposa do homem tá aqui junto…
E assim subimos e nos acomodamos na primeira fileira daquele ônibus que saía de São Paulo para Campos do Jordão. O motorista não estava isolado dos passageiros. Assim nós o víamos e podíamos observar como ele interagia com as pessoas que subiam e desciam do ônibus. Para cada passageiro que descia uma despedida simpática. Para cada passageiro que subia um desejo de boa viagem. A sua cordialidade era algo fenomenal. Percebia-se que todos gostavam, porém, quem mais se realizava era ele mesmo. Sentimos que ele se sentia feliz em fazer a viagem dos seus passageiros melhor.
Chegamos a São José dos Campos. Lá o ônibus ficou lotado. No caminho para a próxima cidade ele não podia carregar mais ninguém. Porém, no ponto onde havia alguém esperando ele parava e dizia:
– Desculpe-me, não posso levá-lo. Estou lotado. Mas daqui a 30 minutos vem o próximo…
As pessoas até faziam muxoxo, mas logo retribuíam com um agradecimento a disponibilidade do motorista em informá-los. Ficavam felizes com o respeito demonstrado. E o motorista era respeitado por isso.
Poderia ter sido uma viagem chata e aborrecida, porque fizemos muitas paradas. Entramos em várias cidades. Mas o ambiente não poderia ser melhor. Depois de 4h, para percorrer os 170km do trajeto, descemos em Campos do Jordão.
Ao nos despedirmos do motorista, falei:
– Parabéns! Foi muito bom viajar contigo. É muito bom ver alguém fazendo o que gosta de fazer.
Ele agradeceu. Certamente recebia muitos elogios diariamente, mas nós não poderíamos deixar de fazê-lo. Afinal, era real.
Para muitas pessoas, talvez o trabalho de ser um motorista de ônibus possa parecer difícil, assim como tantas outras profissões. Quantas vezes não pegamos um ônibus em que se observam motoristas e ajudantes irritados, estressados e rabugentos. Uma simples pergunta sobre qualquer assunto que seja já os tira dos eixos. E isso se repete em muitas profissões. Isso nos faz refletir que uma pessoas pode se realizar como motorista de ônibus, cobrador, ajudante ou qualquer outra profissão que escolha exercer, porque a decisão de gostar do que faz ou não é de cada um.
Por isso, pode-se deduzir que gostar do que se faz depende muito mais de quem faz do daquilo que se faz.
E você, gosta do que faz? O seu trabalho lhe é trabalhoso? A decisão é sua…
Foto com o motorista Zé Carlos em Campos do Jordão.
Por meio dela estendo a minha homenagem ao Luiz Alberto, Amado Batista, ao rapaz que emitiu as passagens no Aeroporto de Guarulhos e a todas as pessoas que compõem a empresa Pássaro Marron que deram um exemplo de respeito e humanidade. Parabéns!