Na semana passada participei de um programa de formação com ênfase em gestão comportamental. Éramos 20 pessoas, mais ou menos. Numa das atividades propostas pelo facilitador estávamos divididos em pequenos grupos de três pessoas. No meu grupo dois psicólogos organizacionais. A interação foi muito boa. No intervalo sempre continuávamos a nossa conversa. Para sair da sala, entretanto, precisava pedir ajuda. A porta era dupla e a metade que estava aberta não era larga o suficiente para que eu passasse com a minha cadeira de rodas. Sozinho, eu não alcançava no ferrolho da outra metade que estava posicionado na sua parte mais alta. Rapidamente um dos meus colegas psicólogos se ofereceu para ajudar:
– Deixa que eu abro!
– Ok. Muito obrigado!
Fui ao banheiro e em seguida ao coffee break. Depois retornamos à sala de aula para mais uma etapa. Nessa rotina passamos o primeiro e o segundo dias. Tudo tranquilo, porque já estou acostumado a pedir favores para uma ou outra coisa. Logicamente não é a situação ideal. Muitas vezes me incomoda o fato de ter que pedir para alguém para fazer algo tão banal, como sair de uma sala.
Os meus colegas, sempre solícitos, nunca deixaram de se oferecer para abrir a porta. Numa das conversas com meus dois amigos psicólogos organizacionais, comentei sobre como essas pequenas situações não me agradavam. Para meu espanto eles se espantaram. Como assim? Não há problema nenhum em pedir favores? Ainda por cima me disseram que eu teria que avaliar a minha reação frente a dificuldade que apresento em receber favores, porque isso pode revelar algo mal resolvido no meu subconsciente. Talvez eu devesse procurar ajuda para apurar isso, porque eles não viam mal nenhum em me fazer esses pequenos favores. Havia comentado sobre o tema justamente em frente aquela porta que eu não conseguia abrir no local onde estávamos.
– Moacir, você deve lembrar que sempre que você precisar alguém vai abrir a porta para você. Para mim, não me dá trabalho. É até um prazer…
Eu fiquei de queixo caído. Não acreditava no que ouvia. Na verdade eu não vejo problemas em pedir favores nem que me abram uma porta. Os meus questionamentos são sobre a falta de autonomia que isso provoca e que a próxima porta deva ser pensada para que o maior número de pessoas possa abri-la sem depender de outros.
No dia seguinte aconteceu algo incrível. As atividades terminaram e todos saíram para o intervalo. Eu estava distraído com um pensamento e ainda fazia algumas anotações. Fiquei para trás. Finalizada a minha linha de raciocínio quis sair. Fui até a porta. Uma metade estava aberta. A outra estava fechada. O ferrolho lá no alto. Eu aqui embaixo na minha cadeira de rodas. Olhei a minha volta. Não havia nada ao meu alcance que me permitisse abrir a porta. Nenhum gancho ou ferramenta que pudesse me ajudar. Os meus amigos todos já haviam saído e se dirigido a sala do café que ficava no outro bloco. Ainda não tinha o número dos seus telefones. A única ação era a não ação, esperar. Assim, eu esperei. Passados os vinte minutos do intervalo o grupo voltou. Entraram na sala. Um deles me perguntou:
– E aí, Moacir, não quis ir ao coffee?
Apontei para a porta e disse:
– É, acho que eu preciso descobrir as razões pelas quais nem sempre gosto de “receber favores”, frisei.
Ele ficou vermelho na hora. Olhou para a porta e voltou a me olhar. Pediu mil e uma desculpas. Os demais colegas, quando se deram conta do ocorrido, também o fizeram. Disse-lhes que não havia problema. Era passado. O problema é o que subjaz a isso. Aquilo que se esconde por trás de se fazer uma porta que nem sempre é uma passagem. Como ficou claro na situação, quando eu quis usar essa porta num momento em que nenhum dos meus amigos ali estava para me fazer o favor de abri-la não havia o que fazer. Não pude chamá-los. Este é um empecilho que me e que nos diminui como sociedade.
Certamente a sociedade evoluiu e continua evoluindo a passos largos. Às vezes, são esquecidos outros exemplos em que se eliminaram problemas. Ao olhar para os meus dois amigos vi que usavam óculos. Pensei comigo, Caso eles tivessem que abrir mão dos óculos e toda vez que quisessem ler algo tivessem que pedir para que alguém lhes lesse, como será que se sentiriam? Como será que reagiriam frente a isso? Lembrando que ouve um tempo que já foi assim, em que os mais novos liam para os mais velhos que estavam com a visão diminuída. Será que também eu deveria sugerir-lhes buscar terapia? Esse é o ponto… Para quem tem a visão diminuída tirar-lhe os óculos é a mesma situação na qual eu encontrei a porta fechada. Quando não se consegue abrir uma porta, esta deixa de cumprir a sua função, passando a ser um empecilho. Não mais é uma passagem. Assim como o olho cansado sem o auxílio da lente deixa de cumprir parte de sua função. E esse princípio deveria ser aplicado por nós, sociedade, para os novos projetos e para os antigos que forem sendo renovados, porque estar numa condição física plena ou não também é circunstancial. Qual a pessoa que não tem em sua família idosos que vão perdendo a mobilidade, a audição e a visão? Qual a pessoa que não tem entre seus próximos alguém que precise de um carrinho de bebê? Quem está livre de um trauma, acidente ou situação que o limite fisicamente, temporária ou permanentemente?
Estamos melhorando? Sim, mas temos que continuar estimulando a que se projetem e se construam portas que sejam passagem para todos, sem que ninguém fique devendo favores a outrém!