O saguão do aeroporto estava lotado. Filas de pessoas em quase todos os voos. Era o horário de maior movimento naquela sexta-feira. Apesar disso, todos seguiam e respeitavam o fluxo. As pessoas chegavam, esperavam a sua vez e tudo terminava bem. De repente, surge um senhor caminhando apressada e resolutamente, passa por todos na fila e se dirige diretamente ao guichê. Ele apresenta a sua passagem para ser atendido imediatamente. A moça detrás do balcão, gentilmente, diz:
– Boa tarde, mas o senhor terá que entrar na fila. Desculpe-me…
Ele retruca de forma agressiva:
– Não, não tenho tempo para entrar na fila. Quero ser atendido agora.
– Olha, meu senhor, eu não posso atendê-lo. Tenho todas as outras pessoas para atender primeiro… argumenta a atendente.
– Não me interessa. Você vai me atender agora… esbraveja o senhor.
– Desculpe-me, mas eu somente vou atendê-lo depois que o senhor entrar na fila como todos os outros…respondeu a moça de forma enérgica, mas educada.
Nesse momento aquele senhor perdeu as estribeiras. Soltou os cachorros. Xingou e berrou até não poder mais. Por fim arrematou:
– Você por acaso sabe com quem está falando?
– Não, não sei, respondeu ela frente a um empertigado senhor que a desafiava com o olhar.
A típica frase do “carteiraço” tão conhecido por nós, brasileiros. Provavelmente era uma autoridade querendo se beneficiar de sua função. Aproveitando-se do breve silêncio entre as duas partes, ela pegou o microfone e falou no alto-falante:
– Atenção senhoras e senhores. Há uma pessoa aqui no balcão que, aparentemente, não sabe quem é. Peço por favor que alguém se prontifique a identificá-lo.
Todos os olhares se voltaram para aquele senhor. Ele, que já estava transtornado pela própria arrogância, ficou mais furioso ainda, se é que era possível. Com o olhar carregado de ódio, olhando para a moça, disse:
– Eu vou te f… e soltou o palavrão.
A atendente encarou-o com toda a tranquilidade, ancorada no apoio implícito de todos os presentes, e respondeu:
– Mas vai ter que entrar na fila do mesmo jeito.
Gargalhadas e aplausos ecoaram pelo saguão do aeroporto num gesto de apoio, agora, explícito.
Trata-se de uma história, contada e recontada muitas vezes, conhecida por quase todos e tida como verdadeira.
Na verdade quem não sabia com quem estava falando era aquele senhor, uma pretensa pessoa importante. E esse é o ponto. A pergunta você sabe com quem está falando? cada gestor, diretor, gerente, encarregado, autoridade ou qualquer cidadão deveria se fazer sempre que interage com alguém, porque se não sabe, deveria saber. Se você não souber com quem está falando, no meu ponto de vista, não deveria estar numa posição em que tenha sob sua responsabilidade a gestão de outras pessoas. Por que? Porque você está falando com um indivíduo único no universo, assim como você. Deve se lembrar que aquela pessoa ali, na sua frente, é especial. Não há ninguém igual a ela. Ela é dona de sonhos e desejos próprios e singulares.
Lembro muito bem da analogia usada por Mário Sérgio Cortella em uma de suas palestras, quando ele usa a frase, Você sabe com quem está falando? para demonstrar a nossa insignificância quando queremos nos arrogar importância. Concordo plenamente com a abordagem. Pessoas se atribuem uma importância que não têm, normalmente ligada a um cargo, função ou posição, para dar um “carteiraço” e usufruir de uma vantagem que não lhes é devida. Muitas vezes são coisas simples, mas que denotam um profundo desprezo pelas demais pessoas. É como o sujeito acima que não quis ficar na fila do aeroporto em função da sua importância. É como o indivíduo que não respeita o sinal, porque acredita que o que ele tem para fazer é muito mais importante. É como a pessoa que acha que não precisa se submeter a um exame de segurança num banco, porque afinal está na cara que ele é “gente boa”. Imagine se não fosse.
Assim, proponho que também se faça o caminho inverso ao proposto na analogia feita por Mário Sérgio Cortella, para que se respeite todo e qualquer cidadão com quem se está falando. Por que? Porque sempre que nos dirigimos a alguém, vale lembrar que aquela pessoa é única entre as outras 7 bilhões que vivem no planeta Terra em meio a outros mais de 3 milhões de tipos de vida. Planeta que, na companhia de mais sete ou oito, gira em torno de uma estrela chamada Sol que faz parte de um conjunto de 100 milhões de outras estrelas que compõe a nossa galáxia, a Via Láctea. Aquela pessoa é única na Via Láctea, que por sua vez, integra um conjunto de outras 200 bilhões de galáxias que formam o nosso universo, supostamente, surgido de uma explosão de um núcleo de energia ocorrido há 15 bilhões de anos. O diminuto tempo que cada ser humano permanece com vida é um lampejo, provavelmente único, nesse universo descrito.
É a esse milagre que me refiro quando digo que se deve saber com quem se está falando. E, se você exerce algum cargo, função ou qualquer outro papel que lhe dê um certo prestígio frente às demais pessoas, você tem, no mínimo, a obrigação de saber com quem está falando. Lembrar de quão privilegiados nós somos exige respeito por nós e pelos demais. Por isso, para respeitar a pessoa que está na sua frente sempre cabe se fazer a indagação, sabe com quem você está falando? Lembrar disso fará com que não nos arroguemos uma importância que não temos, mas por outro lado nos dará a dimensão de que o universo somente é o que é porque cada um que está aqui o compõe. Se alguém não estiver o universo deixa de ser o que é. A mesma reflexão se aplica para a sua relação, a sua família e a sua organização. Pensar nisso, provavelmente, fará com que você respeite e seja respeitado, tornando-se um Ser Humano melhor.