Acredito que devamos educar as pessoas para serem boas umas para com as outras e não para que queiram ser melhores umas do que as outras.
Desde muito cedo gostei de ler, conversar e escutar sobre política, entre outros assuntos polêmicos ou existenciais. Interessava-me ouvir as argumentações a favor e contra uma visão. Descobrir a verdadeira posição por trás de uma explicação era o que eu buscava na fala dos meus professores já no Ensino Médio. Ficava atento a como eles apresentavam e abordavam um determinado tema para encontrar pistas sobre qual o posicionamento que eles teriam fora de sala de aula, principalmente o político. Normalmente, era muito fácil identificar. Alguns professores tentavam ocultar a sua opinião, mas nada que algumas perguntas bem colocadas não ajudassem a revelar. Entretanto, havia um professor de quem eu não conseguia extrair a informação que buscava. Ora parecia-me que ele tendia a um lado, ora parecia-me o oposto. Era justamente o professor que trabalhava as disciplinas voltadas para temas filosóficos e sociológicos no Ensino Médio. Por fim, terminei o colégio e perdi o contato com o professor, mas havia concluído que ele tendia para uma determinada corrente política. No ano seguinte, tivemos eleições. Para minha surpresa, o professor lançara-se candidato a vereador. Surpresa maior ainda foi vê-lo ser candidato justamente pela corrente política oposta àquela que eu havia identificado como sendo a dele. Não acreditava naquilo. Como ele poderia ser da corrente política contrária àquela para a qual, aparentemente, ele demonstrava mais simpatia em sala de aula? A minha surpresa se transformou em admiração, porque percebi que o professor havia me dado a oportunidade de ter uma visão do mundo e não apenas a sua visão de mundo. Além do mais, ele demonstrou um comportamento ético quase inimaginável nos dias de hoje.
O tempo passou e eu também acabei em sala de aula. Havia um grupo de alunos da Faculdade de Administração que era muito engajado politicamente, por isso temas polêmicos eram recorrentes no transcorrer de um mês ou de um semestre. Toda vez que a visão política partidária se imiscuía no tema das aulas eu adotava a posição da não posição. Levantava questões de uma ou outra vertente política, ligando-as ao tema da administração. Buscava ampliar as fontes de consulta teóricas para que os alunos pudessem ter a visão ampliada daquilo que se debatia. Lembrava do professor que eu tive e sabia que o meu pensamento não era importante, mas o que se pensava sobre o assunto o era. No ano seguinte, novamente teríamos eleições. No final do período para filiação partidária, um dos meus alunos me pediu para que me filiasse ao seu partido político. Agradeci o convite e justifiquei o fato de não me filiar a nenhum partido político em função da minha profissão. Não deixava de ser verdade, porém destaco que o convite veio de alguém que defendia ideias políticas exatamente contrárias às minhas. Fiquei feliz por isso. Havia conseguido não revelar minha visão de mundo para que os alunos tivessem a visão de um mundo muito maior do que as limitações a que cada um de nós está sujeito pelos próprios limites da visão.
Observando a realidade atual das escolas e universidades, admiro ainda mais aquele professor. Admiro-o porque muitos educadores e professores que trabalham com as disciplinas de filosofia, sociologia e outras voltadas ao desenvolvimento da capacidade de pensamento e abstração dos alunos são os primeiros que se posicionam sobre tudo e sobre todos. Tais professores e educadores têm a convicção de que ao dar a sua visão de mundo contribuem para um mundo melhor. A realidade, no meu ponto de vista, é outra. Acredito que, ao limitarem os alunos a verem o mundo como eles o veem, desenvolvem um processo de castração da capacidade de abstração individual. Os alunos não constroem conhecimento, pois geralmente emprestam-no dos professores, que ficam felizes e se regozijam ao conseguir converter os alunos para a sua linha de pensamento. Para mim, isso é triste porque empobrece a diversidade de pensamento natural do ser humano, criando um bando de seguidores e não de pensadores. Portanto, tampouco conhecimento é o que se produz.
Assim, coloca-se um desafio para professores e educadores: entrar e sair de sala de aula sem revelar suas opiniões e posições individuais sobre assuntos como política, religião, economia, filosofia, administração, direito, sociologia ou outros. Quantos professores e educadores conseguem não limitar os alunos com a sua visão de mundo? Quantos conseguem mostrar as diferentes visões de mundo, ainda que contrárias a sua, sem o seu próprio juízo de valor? Quantos realmente conseguem mostrar o mundo sem uma visão ou enquadramento feito pelas próprias lentes, pela sua própria maneira de olhar? Somos resultado de uma construção social, entretanto, quando nós, professores e educadores, entendermos e respeitarmos os alunos como um verdadeiro outro certamente conseguiremos não restringi-los às nossas limitadas visões. O mundo é muito maior do que o vemos e tem muitas possibilidades além da nossa visão. Ao fazermos isso, ampliaremos as discussões e visões, tendo como resultado um crescimento exponencial de teorias e, quem sabe, de soluções.
Entendo também que sempre e quando queremos impor ao outro a nossa visão, além da limitação de uma visão, trata-se claramente de uma atitude prepotente e arrogante de quem se acredita melhor do que o outro. Ao aconselhar o outro a adotar a minha visão de mundo dou a entender que eu sou melhor do que aquele a quem dirijo o meu conselho. E, por fim, quase que contrariando o aqui professado e também ao exemplo do professor que digo ter seguido, expresso a minha visão, ciente das minhas limitações: acredito que devamos educar as pessoas para serem boas umas para com as outras e não para que queiram ser melhores umas do que as outras.