A última vez…

– É meu caro, esta foi a sua última vez!

O médico avaliou os resultados dos exames, fez um diagnóstico e deu o seu prognóstico. Eu não fiquei nada feliz ao ouvir o que o médico dizia. Na verdade não quis acreditar. Como assim, última vez? Quer dizer que acabou pra mim? Inicialmente fiquei meio chocado. Saí dali da emergência, passando de um corredor a outro no hospital e logo passei a sentir-me completamente atordoado. Minha esposa que me acompanhava adivinhava como eu estava me sentindo. No caminho de volta fiquei totalmente absorto em meus pensamentos. Ao sermos confrontados com uma realidade que não nos é favorável muitos de nós têm reações diferentes. Alguns esbravejam. Outros choram. Eu fiquei introspectivo. Parece-me até irônico, porque dois dias antes escrevi o texto Introspecção e Projeção, em que dizia que usaria os dias de festas entre Natal e Ano Novo para um período de introspecção em busca de projeções para o novo ano. Introspectivo eu estava, mas como projetar depois da notícia de que aquela havia sido a última vez? Menos mal que deveria ser a última vez que eu jogaria basquete sobre rodas…

Nunca fui nenhum Cristiano Ronaldo ou Messi do basquete sobre rodas, mas sempre gostei muito do esporte pela sua competitividade, estratégia, contato, companheirismo e amizades que dele surgem. Quem pratica algum esporte coletivo sabe do que estou falando. Acontece que no último dia de treino de 2014 sofri uma lesão que me levou ao hospital. Após os exames o médico avaliou a situação e recomendou que eu não jogasse mais basquete em função da fragilidade da minha estrutura óssea após quase trinta anos de uso da cadeira de rodas. A frase foi aquela do início da texto: foi a sua última vez!

Já tinha o desejo de fazer um período de reflexão, agora tinha um motivo a mais. Lembrei-me que sempre nos preparamos para a primeira vez. Os pais esperam ansiosamente pela primeira palavra de um filho, assim como pelo seu primeiro passo que são motivos de celebração. Conforme nós crescemos também fomos tendo consciência de que algumas coisas aconteceriam pela primeira vez. Muitos devem lembrar do primeiro dia na escola. Lembro-me quanta ansiedade me gerou esse momento. Depois veio o primeiro beijo e a primeira namorada, fatos marcantes que dificilmente são esquecidos. O primeiro emprego e o primeiro dia de trabalho, assim como outras tantas primeiras vezes que nos deixam estimulados. Preparamo-nos para elas. Ansiamos para que chegue o dia e a hora da primeira vez. Lembro-me como se fosse hoje a primeira vez em que vi o mar. Uma experiência indescritível. Mas o meu problema estava no lado oposto. Havia sido confrontado com a última vez. Como nos preparamos para a última vez? Qual é a reflexão? Quais as projeções?

Na verdade não nos preparamos para a última vez de nada. O engraçado que uma é o reflexo da outra. Podemos falar de sinônimos e antônimos, de cara ou coroa, de vida e morte ou de início ou fim. Depois que aconteceu uma primeira vez a última vez é inevitável. Jogar basquete sobre rodas teve a sua primeira vez e teria a sua última. Não jogar mais basquete já em 2015 é que eu não sabia que não faria. Por isso, não foi a melhor notícia que recebi no final de 2014. Para quem queria fazer projeções expansivas eu havia sido confrontado com uma projeção restritiva. Porém, o que posso tirar de bom dela? Ainda não está muito claro, mas entendo que ter sido alertado para que aquela tivesse sido a última vez que tenha treinado preservou a minha integridade evitando uma lesão mais grave. Mas ainda assim fica a pergunta: como uma restrição pode ser uma forma de expansão? Bom, como não posso mais jogar basquete por ser um esporte de contato bastante agressivo, talvez seja a oportunidade de desenvolver novas habilidades em outros esportes… Quem sabe voltar ao remo? Por que não a natação? Ou quem sabe as corridas? Enfim, uma restrição pode ser a oportunidade de olhar o mundo sob uma nova perspectiva, descortinando horizontes até então não vistos.


Uma restrição de 2014 vai me criar projeções para 2015. 

Vamos a isso!!!

Muito obrigado Ricardo, técnico da APD Braga que abriu as portas da equipe!
Agradecimento também aos amigos Manuel, Zé Gonçalves, Zé Miguel, Rogério, Dado, Sílvio, Henrique, Zé Manel, Rafael, Jorge, João Paulo, Mendes, Gabriel, Márcio e Filipe.
Muito grato ao Seu Carlos, sempre presente para apoiar e resolver os pequenos e grandes problemas de equipamentos.

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