Era um dia normal e a rotina de sempre. Os clientes entrando na tasquinha e acomodando-se nas suas mesas de costume. O ser humano é um ser de hábitos. Pode ser numa sala de aula, na igreja ou no restaurante, uma vez que que nos acomodamos num lugar, normalmente voltamos a ocupar o mesmo ponto. Creio ser uma espécie de demarcação de território. Não sei porque achamos estranho o hábito dos cães saírem por aí demarcando território… Bom, lá estava o meu amigo indo ao mesmo restaurante, sentando-se no mesmo lugar e sendo atendido pelo mesmo garçom. As piadas e as brincadeiras se repetiam. Hábitos, nada mais do que hábitos que nos dão a sensação de segurança. Entre o meu amigo e aquele garçom já havia se estabelecido uma amizade que se refletia na confiança e na cumplicidade com que faziam brincadeiras entre si. Naquele dia elas foram especialmente mais picantes e também mais alegres. Como de costume, em Portugal muitas pessoas tomam um copo de vinho para acompanhar a refeição. Naquele dia foram dois copos. O meu amigo quase nunca comia sobremesa, mas aceitou a sugestão do garçom naquele dia e pediu uma bela fatia de tarte. Para finalizar um café, senão não seria Portugal. Ainda não era o fim. Havia o “cheirinho” para terminar de matar o bicho. O que é isso? Um gole de “bagaço”, uma aguardente típica daquela região. Agora sim o almoço estava finalizado. O garçom despediu-se do meu amigo e dirigiu-se para um lado do restaurante. O meu amigo dirigiu-se ao caixa, pagou a conta e caminhava em direção à porta de saída. Para sua surpresa, o garçom com quem brincara naquele dia, assim como em quase todos os dias da semana em que ali almoçava, aproximou-se, estendeu-lhe a mão e disse:
– Bom dia, e o senhor vai almoçar? Pode ser esta mesa?
O meu amigo olhou-o desconfiado, pensando em se tratar de uma das brincadeiras do garçom. Entretanto, pode ver que não era brincadeira. Ele estava falando sério. Com ar de espanto, o meu amigo respondeu:
– Acabei de almoçar…
O Garçom recobrou a memória e corou. Gaguejando pediu imensas desculpas e voltou para atender outros clientes. Recobrou a memória, mas garantiu a gozação. Também eu almoço no mesmo restaurante todas as sextas-feiras, ocupo sempre a mesma mesa, na companhia do meu mesmo amigo e somos atendidos pelo mesmo garçom. Entramos, o garçom nos cumprimenta e, com um ar desconfiado, pergunta:
– Vão almoçar?
– Não, não, acabei de almoçar… Vim aqui só pra te ver! Diz o meu amigo.
Há um ditado que diz, perde-se o amigo, mas não a piada. Nesse caso ela garante gargalhadas, um bom almoço e reforça a amizade. Hábitos podem ser bons e divertidos.
Fonte: Ricardo Vieira e Moraes.