Existe um lugar certo para estragar algo?

Os últimos meses foram intensos. Vivi uma maratona de troca de casas, viagens e hotéis. Uma rotina infindável de arruma e desarruma a mala. Um sem fim de vezes de embarca e desembarca de carro, ônibus e avião. Nesse movimento a minha fiel companheira não tem escapatória. É um monta e desmonta a cadeira de rodas que não tem fim. Ou melhor, tem. Ela também se entrega. Estraga. É o medo de qualquer usuário de cadeira de rodas. Pode-se ficar na mão ao furar um pneu ou, pior ainda, quando ela quebra. E elas quebram.

Estava eu na casa de um amigo na cidade de Pelotas quando desci um degrau de uns quinze centímetros. Empinei a cadeira e fiz o movimento. A cadeira desceu e recebeu o impacto do meu peso no chão. Apenas ouvi um estralo, TLAC! e senti que ela baixou. Logo pensei, M… quebrou algo. O meu amigo escutou e perguntou:
– O que foi isso?
– Caramba, acho que quebrou a cadeira…

Fui para uma cadeira convencional. Começamos a revisar a minha cadeira de rodas. Alguns parafusos haviam se quebrado com o impacto, além de terem sido arrancados de sua cavidade ao espanar as roscas.
– Estou ferrado… Que porcaria… O que vou fazer?

Bateram-me alguns pensamentos desesperados. O meu amigo disse:
– Fica tranquilo. Se tem alguém que pode arrumar isso é o Seu Antônio.
– É verdade… Concordei, tranquilizando-me.

O Seu Antônio tem como apelido Prof. Pardal. Dificilmente há algo de mecânica que ele não tenha feito ou pensado. A questão agora era o tempo. Já eram 21h e a minha viagem estava marcada para a manhã do dia seguinte. Entretanto, tínhamos um jantar no restaurante da esposa do seu Antônio. Fomos até lá para jantar e também com a esperança de arrumar a cadeira. O Seu Antônio olha daqui e dali. Disse:
– Não tenho esses parafusos aqui… São muito específicos.

Colocou a mão no queixo enquanto pensava. Literalmente o cérebro estava a mil. Olha de um lado para o outro. Fixou a visão na moto do restaurante. Dirigiu-se até ela. Pegou a caixa de ferramentas. Desaparafusou uma carenagem que sustenta os faróis. Tirou quatro parafusos. Pegou uma furadeira que estava na caixa de ferramentas. Puxa daqui. Fura dali. Aperta. Quarenta minutos depois a cadeira estava perfeita. Melhor do que antes. Agora tenho uma cadeira de rodas quase Yamaha.


A cadeira quebrou na única cidade do país onde eu conheço alguém com tanta competência para arrumar o que estragou. Já que as cadeiras estragam tive o privilégio de que ela quebrasse no lugar certo…


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