Estava na rua numa véspera de feriado. Muitas outras pessoas também estavam. Enquanto eu esperava na faixa de pedestre para cruzar a rua, uma mulher que aparentava ter por volta de 35 anos se parou ao meu lado. Ela falava ao celular:
– Não, não. Não fui trabalhar hoje. Pedi um atestado. Estou na rua para fazer umas compras…
O diálogo representa uma situação corriqueira que se repete diariamente na realidade das empresas públicas e privadas do Brasil. Nós sabemos disso, é senso comum. Ouvi sem querer, mas pensei deliberadamente sobre o que estava acontecendo ao meu lado. Poderia identificar uma rede de roubos que prejudicava outras pessoas, provavelmente, uma equipe e uma organização. Como assim? É apenas um dia de serviço que ela faltou ao trabalho…
Na verdade, nesse fato se pode identificar um duplo roubo, além de outros cúmplices. Ela rouba a sua organização, ela tem cúmplices no seu roubo e rouba a si mesma. No primeiro caso, o roubo é facilmente identificável. A pessoa foi contratada para estar na organização naquele momento e não para fazer compras. Naquele horário ela tinha o compromisso moral e legal de estar na organização, que, para isso, pagava-lhe o salário no fim do mês. Não sei se a organização dela era pública ou privada, o que sei é que ela havia pegado um atestado falso para estar na rua. Ela não estava roubando algo físico, mas ela roubava a produtividade e a competitividade da sua equipe e da sua organização que contava com ela para entregar aquilo que se propunha para os seus clientes. Aquele dia poderia representar o atraso na entrega de um projeto, o não atendimento de um cliente ou a diminuição da produção da sua equipe. E isso é roubo.
Os cúmplices são aqueles que emitem um documento falso para que uma pessoa continue a receber integralmente por aquilo que não cumpriu. A funcionária que faltou ao trabalho deliberadamente não merecia a totalidade do seu salário e isso somente foi possível porque alguém fraudou um documento que lhe permitiu não ser responsabilizada pela sua falta de responsabilidade. Em outras palavras, isso é roubo.
E por que ela estaria roubando a si mesma? No meu ponto de vista, esse roubo acontece antes mesmo de ela roubar a organização e de arregimentar cúmplices. Além disso, é muito mais grave. A partir do momento em que ela assumiu o compromisso com a organização e não o cumpriu, ela roubou de si mesma a integridade, a honestidade e também a sua credibilidade. Não é íntegro usar de subterfúgios para deixar de cumprir com compromissos assumidos. Não é honesto prejudicar uma organização e uma equipe ao receber uma remuneração indevida. E, por fim, ela roubou a sua credibilidade ao adotar o comportamento que adotou. Com que credibilidade essa pessoa poderá exigir de seus filhos, dos vizinhos ou mesmo dos políticos um comportamento íntegro e honesto?
Com toda a certeza o roubo que ela cometeu ao faltar ao trabalho sem uma razão verdadeira era uma consequência de já ter se roubado a honradez e a dignidade. Roubar de si mesmo é o precursor dos demais crimes. Cabe a ela e àqueles que roubam das organizações e de si mesmos lembrar que ser dispensável temporariamente em função de um atestado falso, muito provavelmente indica alguém que poder ser dispensável permanentemente. Prenda o ladrão de si mesmo para também não roubar dos outros.
E nós que sabemos que o fato acima é algo comum no país somos cúmplices por omissão…