Tempo de resgatar, de restaurar e de preservar.

Para resgatar use um fio de OURO!

O vaso era um presente valioso que o senhor feudal japonês havia recebido de seu mentor. Um jovem pajem era o responsável pela limpeza do vaso. Um dia, ele o deixou cair, quebrando-o. As demais pessoas da corte ficaram preocupadas e cochichavam entre si:

– Coitado do pajem. O Senhor irá castigá-lo muito…

Todos sabiam o quanto o vaso representava para o seu dono e sabiam como ele ficava furioso quando se sentia contrariado. No dia em que o senhor viu o vaso quebrado, ele ficou estático. Aproveitando-se do silêncio que reinava no ambiente, um dos presentes fez um trocadilho humorístico envolvendo o vaso e um poema muito querido por todos. Novo silêncio. A tensão estava no ar. O rico senhor escutou, observou e, finalmente, sorriu pela presença de espírito e senso de humor presente no verso. Logo depois, ele pediu para que recuperassem o vaso e que o fizessem com todo capricho, inserindo nos remendos fios de ouro. Desse modo, o vaso foi recuperado e passou a ser usado até o fim dos dias daquele rico senhor.

Por isso, séculos depois o vaso ainda pode ser apreciado pelas pessoas que passaram a valorizar a importância de se resgatar, de se restaurar e de se preservar objetos. Além disso, depois de restaurado, o vaso passou a impressionar ainda mais pela beleza presente nos novos detalhes, traduzindo-se em resiliência e em vitalidade de continuar a contribuir com a finalidade para a qual fora criado. Muitas pessoas acreditam que a verdadeira vida do vaso começou depois de ter sido quebrado e de ter sido restaurado, porque antes ele servia apenas para a decoração. Depois disso é que passou a ser usado para a sua verdadeira finalidade.

Cada cultura com suas particularidades que transcendem a si mesmas. A cultura japonesa é riquíssima. E o exemplo da valorização do resgate e da restauração das peças de cerâmica, particularmente entendo que está entre os mais belos exemplos. Os japoneses sabem apreciar a beleza da perfeição de uma obra de arte que nunca sofreu nenhum tipo de dano. A obra original traz os traços perfeitos, assim como imaginado pelo seu criador. Entretanto, não é a apreciação da beleza da perfeição presente na obra intacta que faz com que eles deixem de apreciar a beleza da imperfeição presente na restauração de uma obra que se partiu. Ao fazer a restauração da cerâmica com fios de ouro, valoriza-se ainda mais a importância de resgatar e de preservar algo importante.

A preocupação cultural nipônica vai muito além dos objetos. A analogia sugerida se estende às relações de amor e de amizade. Em tempos em que objetos, pessoas e relações são descartáveis uma reflexão sobre resgate, restauração e preservação faz todo o sentido. Entende-se que se alguma vez já existiu amor e amizade entre duas pessoas é porque elas viram a beleza da obra no seu estado original. Certamente que um vaso restaurado sempre apresentará as marcas dos remendos. Essa mesma lógica se aplica a uma amizade que, por algum motivo, tenha se rompido. Entretanto, cada marca pode representar a valorização da importância do conjunto, porque as partes, isoladamente, nada significam. Elas somente podem cumprir com a sua função se permanecerem unidas. Enfim, o vaso nasceu belo e perfeito e era usado para a decoração. Depois, o vaso renasceu ainda mais belo pelos detalhes das imperfeições e passou a ser usado para cumprir com o seu papel.

Por isso, o que se poderia resgatar nas relações que talvez um dia se tenham quebrado? O que se pode fazer para restaurá-las? Não mereceriam elas um fio de ouro para preservá-las?

Moacir Rauber

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