Hoje (01-05-20) faz 34 anos que uso uma cadeira de rodas e nesse período vivi muitas situações belas e outras caricatas. Ainda antes da quarentena, lembro-me de um dia que fui à igreja e fui recebido por uma senhora que me cumprimentou alegremente:

– Bom dia! Pode me acompanhar? Lá na frente tem um lugar especial para vocês cadeirantes…
“Vocês, cadeirantes…” pensei. “Um rótulo”. Mesmo assim, acompanhei a senhora e vi que o lugar era tão especial que eu ficaria em evidência para a igreja inteira. Olhei, enquanto era olhado por quem já estava na igreja, analisei, agradeci, girei e voltei. Encontrei um local mais discreto para ficar, sem “atrapalhar” o fluxo das demais pessoas. Ao final da missa, no pátio, encontrei algumas pessoas conhecidas com quem comecei a conversar. Nisso se aproxima uma senhora que se dirige à pessoa com quem eu conversava e diz:
– Ah, vocês não são daqui? Acreditando que o meu amigo me acompanhava.
Ele respondeu que era da cidade e que apenas eu não era. A senhora voltou a sua atenção para mim e os seus olhos se avivaram com a curiosidade sobre a minha condição de usuário de cadeira de rodas. Olhou-me de cima a baixo. Eu sabia que viria alguma pergunta:
– O que foi que aconteceu?
Perguntou-me ela a queima-roupa. Deixei o silêncio tomar conta do espaço por alguns segundos. Foi o tempo necessário para que ela emendasse:
– Desculpe-me, se é que posso lhe perguntar…
Respondi-lhe, educadamente:
– Foi um acidente de carro há muitos anos… Depois abri um sorriso.
Ela imediatamente olhou para o meu amigo:
– Você vê, essa gente é mais feliz do que a gente pensa… Referindo-se ao fato de eu ter sorrido.
“Essa gente…” era eu. Esses são os rótulos que colocamos nas pessoas a partir dos nossos preconceitos e de nos nossos juízos de valor. Com isso, classificamos as pessoas entre “nós” e “eles”. “Nós”, os bons; “eles”, os maus. “Nós”, os produtivos; “eles”, os improdutivos. “Nós”, os corretos; “eles”, os equivocados. E assim fazemos na rua, nas famílias, nas organizações e nas nossas relações: rotulamos as pessoas. Ao identificarmos um determinado aspecto que nos parece comum entre algumas pessoas, sejam eles colaboradores, gestores ou diretores, nós os classificamos como integrantes de uma massa que se pode rotular como iguais. Há que se entender que somos seres únicos com necessidades semelhantes. Muitas vezes, o único que um cadeirante tem em comum com outro cadeirante é a cadeira; o único que um careca tem em comum com outro careca é a falta de cabelo; o único que uma loira tem em comum com outra loira é a cor do cabelo; o único que um colaborador tem em comum com outro colaborador, talvez, seja o posto de trabalho.
Não é porque se tem características em comum que necessariamente se pode classificar de “nós” e “eles”, porque simplesmente não há “eles”. Há um imenso “nós” humano que tem necessidades comuns, entre elas a busca pela felicidade.
Portanto, no dia do trabalho o convite é para respeitar a individualidade de cada um que faz parte do “nós” humano. É um grande desafio para todos nós, principalmente para os gestores. Com isso, consegue-se entender que as buscas individuais podem ser muito parecidas, independentemente da condição física, social ou profissional. E a felicidade é uma delas.
Sim, “essa gente”, não importa quem seja, busca a FELICIDADE e pode ser mais feliz do que se imagina.
Moacir Rauber
Blog: www.facetas.com.br
E-mail: mjrauber@gmail.com
Era criança, mas lembro bem do momento que chegou a notícia do seu acidente, mesmo sem entender naquele momento alguns termos que ali usavam, lembro do semblante de preocupação dos meus pais para com você.
É lá se forma 34 anos… Nossas famílias sempre foram amigas!!!
Abraço.