Quem tem a fama…
Outro dia, numa roda de conversa que antecedia o início de uma reunião, a pessoa que não estava presente era o tema justamente porque estava atrasado. Alguém do grupo disse, Ele sempre chega atrasado. É normal. E o condutor do encontro complementou:
– Vamos começar a reunião, porque quem tem a fama deita na cama… referindo-se a que não poderíamos contar com a sua pontualidade.
A sabedoria presente em muitos ditados populares explica boa parte da ciência comportamental a partir de uma prática preexistente, porque a maioria dos ditados tem origem em determinados comportamentos. Entretanto, nem todos expressam uma verdade absoluta e podem condicionar o comportamento.
O ditado acima tem um peso relativo, uma vez que ele se aplica muito mais negativamente do que positivamente. A “fama” acompanha comportamentos que rotulam as pessoas, como no caso de alguém que passa a ser conhecido por “sempre chegar atrasado”, ainda que tenha sido verdade em duas num total de cinco reuniões. Já não importa, porque quem tem a fama deita na cama. Igualmente uma pessoa que perdeu o controle emocional frente a uma situação, ficará facilmente rotulada de desequilibrada, ainda que tenha mantido o equilíbrio nas demais oportunidades. Da mesma forma, aquele que marcou uma posição divergente num grupo convergente ficará marcado como teimoso, ainda que tenha sido convergente nas outras reuniões. Do mesmo modo, a pessoa que fica marcada como intolerante num determinado assunto, provavelmente, carregará esse rótulo por muito tempo, ainda que seja tolerante em todos os demais temas. Assim seguimos rotulando e marcando as pessoas muito mais pelo lado negativo do que pelo lado positivo. É muito mais fácil criticar uma pessoa pela sua impaciência num único momento, do que reconhecer a sua paciência em todas as outras vezes. É bem mais simples acusar o outro de insensato por um ato de descuido, do que aceitar a sua sensatez nas demais decisões. É mais rápido apontar o dedo chamando o outro de autoritário por usar a sua força hierárquica uma vez, do que admitir a sua condescendência em tantas outras decisões. E assim seguimos rotulando as pessoas de chatos, mentirosos, covardes, cruéis, negligentes, inflexíveis, entre tantas outras palavras que são juízos nossos com relação ao outro. Aqui está o ponto da armadilha dos rótulos, porque eles vêm de fora. Quando alguém rotula o outro, o outro não, necessariamente, precisa viver com isso, porque que cada um é o que é até que deixa de ser.
Quem tem a fama deita na cama? Ao escutar essa afirmação pensei, Deita na cama se quiser, porque entendo que, ainda que tenhamos nosso passado, vivemos no presente em que somos nós, individualmente, que escolhemos como vamos viver cada dia. Os rótulos e as marcas estão por fora das embalagens e dos produtos, assim como aqueles que são colocados nas pessoas. Ainda que você veja o rótulo da Coca-Cola numa garrafa quem te garante o que há dentro? Da mesma forma, ainda que alguém tenha o rótulo disso ou daquilo, cada um sabe a verdade sobre a sua vida e as suas escolhas. Mais do que isso. Cada dia é um novo dia em que você escolhe como vai vivê-lo. Você pode escolher o equilíbrio, ainda que seja conhecido por desequilibrado; você pode ser flexível, ainda que o rotulem de teimoso; é tua a escolha de ser tolerante, mesmo que o classifiquem de intolerante; nada impede que você seja paciente, ainda que tenha a fama de impaciente; é tua a decisão de ser sensato, ainda que o considerem insensato; é você quem decide ser condescendente, ainda que o tratem de autoritário; é escolha individual ser honesto, ainda que você tenha sido desonesto na década passada, no ano anterior, na semana, no dia ou no segundo que passou. Eis um marco importante para cada um de nós. Ainda que tenhamos passado, internamente, podemos escolher como folhas em branco, uma vez que sempre podemos tomar novas decisões.
E a fama e os rótulos? Eles estão por fora, dentro de você somente você sabe o que há. O que há dentro de você?
Moacir Rauber
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