O curso sobre Comunicação Não-Violenta começou. Apresentações daqui e dali baseadas na pergunta: quem é você humano? Não importava a profissão ou o status social. Era importante o que cada um esperava para a sua vida e o que estava disposto a contribuir para com a vida dos outros. A facilitadora apresentou o programa do dia e os quatro pilares defendidos por ela e inspirados na comunicação não-violenta: (1) aprender a observar; (2) abrir espaço para sentir; (3) reconhecer as necessidades; e (4) falar a partir de si em cuidado com o outro como estímulo à cultura da paz. A ideia seria definir e praticar cada um desses pilares num processo circular e evolutivo, integrando-os de modo a que fizessem sentido. Estava bem claro, principalmente porque a facilitadora tinha uma forma muito especial de se comunicar. Ela transparecia a não violência no tom de voz, na maneira de articular as palavras e no uso do português com as suas expressões. Desde o início, uma delas me chamou a atenção:
– Na comunicação não-violenta eu durmo em mim e acordo em você!
Achei bonita a expressão e vi até um certo romantismo nela, mas não consegui captar exatamente o seu sentido. Ela continuou a explorar alguns temas existenciais da proposta da Comunicação Não-violenta subjacentes à pergunta: quem é você humano? Dela deriva outra pergunta: quem é o outro humano? E nesse vai e vem de questionamentos a proposta da comunicação não-violenta faz todo o sentido. Se na minha resposta de quem sou eu humano existem avaliações e observações, sensações e sentimentos e desejos e necessidades, também existirão pedidos de lá e de cá. Por isso, a comunicação não-violenta é esse movimento circular e evolutivo que ocorre mais produtivamente num ambiente em que a harmonia esteja presente. E esse movimento se revela na nossa humanidade. Nós somos humanos porque temos a liberdade de escolha, que pode ser definida como autonomia para alguns ou livre arbítrio para outros, porém na essência continua sendo a liberdade que nos leva a pensar, a sentir e a querer livremente, ponto esse amparado na antroposofia que é uma das bases influenciadoras da facilitadora. Entretanto, na comunicação não-violenta o primeiro desafio é pensar sem rotular, sem julgar e sem avaliar. Porém, basta pensar: “Ele é bondoso demais!” que já rotulamos, julgamos e avaliamos a partir da perspectiva individual, ainda que de forma positiva no exemplo citado. E quantas vezes os rótulos, os julgamentos e as avaliações são negativos? O segundo desafio é sentir sem simpatizar ou antipatizar, oferecendo a empatia num movimento de interesse genuíno pelo outro. E o terceiro desafio é exibir um querer sem reação e sem conflito na busca por um compromisso de ação responsável consentida que gera fraternidade por meio do atendimento das necessidades daqueles que se comunicam sem violência.
A nossa turma estava absorta nas reflexões conduzidas pela formadora. Ela destacou que é muito difícil conseguir pensar, sentir e querer dessa forma, porque não fomos ensinados a isso. Na base de nossas convenções sociais estão a disputa e a busca por recursos, aparentemente, limitados. Nesse ambiente, valoriza-se a agressividade. Entretanto, é na harmonia por meio de um processo de comunicação não-violenta que se expandem as possibilidades e se multiplicam os recursos, que na realidade são infinitos. Por isso, disse ela:
– É fundamental que eu durma em mim para acordar em você!
Mais uma vez ela usou a frase dita lá no início e foi nesse momento que a expressão se revelou para mim. Sim, fazia todo o sentido. É preciso que eu silencie todo o meu ser para poder escutar você com quem me comunico. Assim, eu consigo pensar sem rotular, julgar ou avaliar. Eu posso sentir com interesse genuíno pelo outro. E eu posso querer o querer do outro.
É a beleza da Comunicação Não-violenta com a profundidade da antroposofia.
Inspirado por Gleice Marote
Keea Yuna
Moacir Rauber
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