Uma equipe de basquete em cadeira de rodas, normalmente, é uma atração por onde passa. Naquele dia, duas vans estacionaram nas vagas para pessoas com deficiência do centro comercial. Em seguida, começou a movimentação. Desce uma pessoa com muletas. Desce outra. Os transeuntes diminuem a passada para poderem observar. Depois o elevador da van baixa os usuários de cadeira de rodas. Alguns já haviam cruzado a faixa de pedestres e outros ainda não. Eu estava de um lado e conversava com alguém do outro lado da rua. Nisso, uma senhora muito elegante para e dá uma olhada geral para o grupo de atletas. Ela aponta para a minha cadeira para em seguida dizer:
– Eu sei como é usar uma cadeira de rodas. Usei uma por quase três meses…
Disse-o com certa dose de orgulho para talvez se identificar com a dor e a tragédia alheia. Sei que muitas vezes as pessoas fazem esse tipo de comentário para estabelecer contato em condições de igualdade. É uma atitude que até pode revelar a busca pela empatia ao querer se colocar no lugar do outro. Entretanto, falar que sabe como o outro se sente com relação ao uso de uma cadeira de rodas por lesão medular é de uma ignorância sem fim, porque isso só quem está na situação sabe. O mesmo se aplica a qualquer outro tipo de problema que uma pessoa enfrenta no seu dia a dia. Por isso, seria muita arrogância dizer que sabe como se sente alguém que perdeu um ente querido, porque somente quem o perdeu sabe o que aquele que partiu significava para ele. Seria muita prepotência querer dizer que sabe como o jogador que perdeu um pênalti na final do campeonato se sente, porque somente quem o perdeu sabe a dor que sente. Seria um atrevimento de qualquer um afirmar que sabe como um professor da rede pública se sente ao entrar em sala de aula para enfrentar a falta de educação dos alunos, a pouca participação dos pais e as condições oferecidas pelo estado para dar aula, porque somente sabe quem vai para a sala de aula. E cada um sente de uma maneira diferente. Desse modo, cada um sabe o que cada situação representa para si mesmo, mas ninguém sabe o que isso representa para o outro, mesmo que a situação pareça similar. Ainda que se exercite a empatia, a interpretação dos problemas depende da condição psicológica, emocional e social de cada um. E essa condição é única.
Voltando para a situação inicial em que aquela senhora queria dizer que sabia como eu me sentia numa cadeira de rodas, olhei-a e respondi:
– Pois é, eu também sei. Já uso uma cadeira de rodas há 360 meses…
Ela deu um sorriso meio amarelo e foi-se embora. Para mim, há tempos que o uso da cadeira de rodas já havia deixado de ser uma tragédia, porém ninguém, jamais, poderá dizer como eu me sinto com relação a essa situação. Para que alguém pudesse dizer como o outro se sente com relação a algo teria que ter vivido o que o outro viveu. Teria que ter tido os pais, os parentes e os amigos que o outro teve. E isso não é possível. Entretanto, tentar imaginar a situação que o outro enfrenta para oferecer apoio é um exercício de empatia que nos melhora como pessoas, porém sem a arrogância de querer afirmar saber como o outro se sente. Por isso, sempre que alguém lhe dizer disser que sabe como você se sente com relação a um problema que é seu, provavelmente, é mentira.
Moacir Rauber
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