Ao terminar a mudança havia sobrado algumas coisas no apartamento. Conversei com uma amiga para dar um destino aos utensílios domésticos que ficariam para trás. Eram coisas. O mais importante levava comigo, a experiência de ter vivido naquele país e com aquelas pessoas. Porém, a coisas precisavam de um destino. Assim, a minha amiga ficou com a chave da casa e da garagem. Encostou o seu carro na vaga do apartamento e carregou o que era possível. Quando desceu pela segunda vez, observou que ao lado da vaga estava largada uma cadeira de rodas. Indagou-se, Hum, será que ele esqueceu de mencionar a cadeira? Eu sei que ele tinha duas… referindo-se a mim, usuário de cadeira de rodas. Resolveu levá-la para uma instituição que fazia trabalhos humanitários. Ela doou a cadeira de rodas, sentindo-se muito bem com a oportunidade de ajudar outras pessoas. Agora somente faltavam mais algumas pequenas coisas que ela pegaria na sua última viagem até o apartamento. Lá chegando ela percebeu que havia um senhor com um ar desolado em frente ao apartamento. Ela perguntou:
– Posso ajudá-lo?
– Não sei o que aconteceu. Alguém levou a cadeira de rodas da minha esposa que estava na garagem. Isso nunca aconteceu antes. Sem a cadeira ela não vai poder entrar em casa… Respondeu o senhor sem saber o que fazer.
A minha amiga ruborizou-se. Gaguejou. Não sabia o que dizer. Deu uma desculpa e saiu atrás da cadeira de rodas para poder devolvê-la. Deixou-a no lugar de onde a havia retirado justamente a tempo de que a verdadeira dona da cadeira de rodas pudesse usá-la. Ao contar-me a história a minha amiga e eu rimos muito. Ela foi do céu ao inferno em pouco tempo. Sentiu-se maravilhosamente bem ao fazer a boa ação de doar a cadeira de rodas. Porém, na sequência sentiu-se muito mal ao descobrir que a cadeira de rodas que ela havia doado não era aquela que ela havia imaginado. Ela havia feito uma cortesia com o chapéu alheio. Entretanto, ao tomar consciência, pode se redimir a tempo. E se fizermos um paralelo com o sistema político brasileiro? No meu ponto de vista, ele está permeado de políticos que fazem cortesia com o chapéu alheio de forma consciente, porém inescrupulosa. Como assim?
Os políticos administram bens, propriedades e recursos que não lhes pertencem, porém basta escutar os discursos de qualquer um ou ver as placas comemorativas encontradas nos prédios públicos, nas pontes, nas rodovias ou em qualquer outro patrimônio público para constatar essa triste verdade. Nos discursos eles afirmam, Eu fiz essa obra para vocês…, dando-nos a impressão de que tiraram dinheiro do próprio bolso para executá-la. Nas placas colocadas nas obras inauguradas na gestão de qualquer político a auto-exaltação chega a ser vergonhosa. Os políticos fazem cortesia com o chapéu alheio com a consciência inescrupulosa de quem não se constrange em ser aclamado sem merecimento.
É importante constatar algumas diferenças fundamentais entre a gafe da minha amiga e a ação dos políticos. A minha amiga doou a cadeira de rodas sem a consciência de que não era sua, enquanto os políticos fazem parecer que é deles aquilo que é dos outros. A minha amiga quis fazer uma verdadeira boa ação, enquanto os políticos, quando o fazem, fazem apenas a sua obrigação. A minha amiga quis ajudar alguém sem esperar nada em troca, enquanto os políticos somente fazem para serem aclamados. Enfim, fazer uma cortesia parte do pressuposto de que se tem a real intenção de se fazer algo bom com aquilo que é de sua propriedade ou que está sob a sua guarda. Exatamente como a minha amiga fez. Com relação aos políticos? Espero que um dia tenhamos políticos que façam a gestão dos recursos públicos sem que isso nos pareça uma cortesia.
Moacir Rauber
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