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E SE NÃO TIVER FEIJÃO?

E SE NÃO TIVER FEIJÃO?

O almoço foi servido e o anfitrião observava os convidados saboreando o prato. Ele sabia que os presentes eram de outros países com hábitos alimentares muito diferentes. Por isso, fez questão de recebê-los com um prato típico da sua região e da sua cultura. Quando viu que estavam por terminar a refeição, indagou:

– E então, gostaram?

– Sim, estava excelente! Respondeu um.

– Nossa, nunca imaginaria que pudesse ser tão bom! Respondeu outro.

Certamente que os elogios encheram o anfitrião de orgulho que nos havia oferecido o Haggis, prato típico da Escócia. Foi então que ele explicou como era feita a comida. O estômago da ovelha era recheado com o coração, o fígado e o pulmão do animal picados e misturados com cebolas e aveia, temperado com alho e outras especiarias. É um prato servido em banquetes, acompanhado do som das gaitas de fole. Parecia estranho, mas era realmente bom. O anfitrião agradeceu os comentários e fez outra pergunta:

– E na terra de vocês, qual é o prato típico?

Os convidados, alguns com a cara divertida pela recém descrita receita, comentaram sobre os diferentes pratos de cada país. Um japonês comentou sobre o lámen e o alemão sobre as linguiças. Um francês explicou o ratatouille, o italiano descrevia as macarronadas e assim seguiu a conversa. Por fim, um brasileiro falou :

– A comida do dia a dia é o feijão e o arroz, com um pedaço de carne e saladas…

Todos os presentes naquele jantar estavam longe de seus países de origem há vários meses, por isso a conversa se punha animada com as lembranças das comidas originárias. Na sequência da explicação do prato brasileiro, uma brasileira presente emendou, Eu sinto tanta vontade de comer um típico feijão com arroz…

O dono da casa então ofereceu:

– Vocês gostariam de preparar o prato durante esta semana? Acredito que possamos encontrar todos os ingredientes que vocês precisam…

E assim foi combinado o almoço agora com a comida típica dos brasileiros numa integração de culturas e costumes alimentícios. Não se estava dizendo que uma era melhor do que a outra, apenas que eram diferentes.

Acredito que esse é um caminho para que a humanidade se reconheça mutuamente, em que as diferenças culturais não criem atritos, conflitos e guerras. Para isso, o respeito deve ser o motor da efetiva integração, porque ainda hoje temos questões que provocam hostilidades e divergências como resultado da intolerância de um para com o outro. Muitas vezes pode ser a arrogância de acreditar que os meus hábitos são melhores do que os seus. E não é isso. Sabe-se que os hábitos e costumes que cada povo desenvolveu tiveram a sua razão de ser. Hábitos e costumes que fundamentam uma cultura baseiam-se nas habilidades e no conhecimento que cada povo dispunha e seguiam as características ambientais de cada região. Sabe-se que os povos que viveram e se desenvolveram em climas mais frios tinham estratégias de sobrevivência diferentes daqueles que surgiram em regiões mais quentes. Frutas e verduras que existiam numa região não existiam em outras. Desse modo, naturalmente também os hábitos alimentares eram diferentes, porque cada povo dependia diretamente daquilo que o ambiente oferecia. Hoje essa dependência direta dos produtos da região são bem menos importantes. Ainda que a região em que se vive não seja propícia para produzir maçãs se pode comer maçãs o ano inteiro. Por isso, as pessoas passaram a experimentar, a integrar e a modificar os hábitos alimentares. Na grande maioria dos casos não se fala mais em questão de sobrevivência individual e da espécie quando se escolhe o que se vai comer, mas fazem-se as escolhas alimentares por gosto.

Portanto, da próxima vez que você viajar esteja aberto para experimentar os sabores locais num movimento de respeito e de integração. Entretanto, não deixe a sua cultura em casa. Leve-a consigo. E se não tiver feijão? Na Argentina ou no Uruguai podem comer uma parrilla, mas no México pode vir um Escamol. Você vai encarar?

Moacir Rauber

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