Um evento de alcance nacional com um conferencista de renome internacional. O formato convencional do presencial físico deu lugar a um evento presencial virtual. Tudo normal para os dias de hoje. O tema abordou a necessidade de humanização das nossas relações, dando ênfase a importância de Ser ao se conectar com o outro, diminuindo a importância do Ter em comparação com o outro. Desenvolver ou se reconectar com mais profundidade com a nossa dimensão humana de bondade, compaixão e compartilhamento. O conferencista iniciou saudando a todos e lamentando o fato de que o evento não aconteceria com a presença física de todos, o que o impediria de abraçar as pessoas. Todos concordamos. Ele prosseguiu, dizendo:
– Fiquei muito triste. Quando me convidaram para o evento comprei uma Harley Davidson nova para fazer o percurso até o evento com a minha companheira…
Fiquei atônito. Não entendi a relação do comentário da compra de uma moto com o tema de humanizar as relações. Nada contra o conferencista ter uma moto, mas despropositado o comentário de ter comprado uma moto na abertura de um evento que fala de dirigir o foco das ações para o desenvolvimento do ser humano. Uma moto de uma marca que destaca a importância do Ter em detrimento do Ser, em que a ideia de realização pessoal se conecta com a comparação e não com evolução. O comentário nos leva a pensar que podemos ser donos de algo ou de alguém num evento que busca levar as pessoas a tomar consciência da importância de entender o sentido daquilo que se faz e daquilo que se é. É meu julgamento? Sim, um julgamento baseado na minha crença de que não podemos ser donos de nada, mas que podemos nos apropriar daquilo que pensamos que temos. Dono tem a ver com possuir. Apropriar-se está ligado com fruir. Quantos de nós pensaram ou pensam ser donos de uma moto, de uma casa, de um carro, de um barco ou de uma empresa? Quem de nós nunca usou a expressão “meu marido” ou “minha esposa” como uma forma explícita de se acreditar dono ou no mínimo carregado de uma implícita pretensão de propriedade? O que fazer? Particularmente vejo que o primeiro passo é se desapegar do sentimento de posse para poder fruir do sentido. Não é algo fácil, mas tenho a convicção de que não possuo nada daquilo que penso ser meu, porém posso me apropriar daquilo que penso que tenho. O Natal é um período apropriado para se apropriar. Como se desapegar da ideia de ser dono de algo? De uma casa, por exemplo, basta entender o seu sentido e transformá-la num lar para que se diminua a importância da posse. Ao entender que você não possui a madeira ou tijolos que compõem a casa, mas que é nessa estrutura física que você construiu um lar, cada um dará sentido a limpar, pintar, reformar e organizar a casa para abrigar o seu lar. E isso se aplica aos amigos, ao cônjuge a as pessoas com quem você convive. Elas não são “suas” posses, mas você pode se apropriar da relação e fruir do sentido. Com isso, você vai se dedicar a manter as relações, apropriando-se e dando amor, amizade, confiança e lealdade.
Enfim, perguntar-se qual é os sentido da presença de cada pessoa em sua vida e qual é o sentido da sua presença na vida delas? Qual é o sentido de comprar um carro ou um barco? Caso não signifiquem nada, para que mantê-los? E a moto? Qual é a importância de você acreditar ser dono de uma moto num mundo que busca humanizar as relações? Ainda não sei, mas acredito ser fundamental exercer a bondade e a compaixão por meio do compartilhamento para se apropriar das relações.
Moacir Rauber
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