Num voo, quase sempre sou o primeiro a entrar. Assim, lá estou eu, usuário de cadeira de rodas, no primeiro banco e na primeira fila de assentos do avião. Todas as pessoas passam por mim para entrar e também para sair. Nessa movimentação toda, ouço muitas conversas dos passageiros que ficam parados bem à minha frente. Outro dia ainda ouvi o seguinte diálogo:
– É, não tem jeito. Assim que eu chegar na empresa vou ter que dar um feedback bastante duro na equipe.
Feedback bastante duro? Pensei. Como assim?
O interlocutor respondeu e a conversa continuou. Tratava-se de um grupo de gestores de uma empresa de tecnologia bastante reconhecida no mercado que há dez anos não existia e hoje tem mais de uma centena de colaboradores. Os gestores eram bastante jovens, acredito que ainda não tinham trinta anos. Muitas das empresas de tecnologia também têm colaboradores com uma média de idade bastante baixa, embora isso não exima ninguém da responsabilidade de gerir pessoas com respeito e dignidade. As minhas conjecturas vão para um quadro parcial, porque somente ouvi alguns minutos de uma conversa de bastidores sobre uma empresa que não conheço internamente. Entretanto, o trecho da conversa que transcrevi acima pode representar a involução de um conceito que surgiu como uma evolução no tratamento das pessoas em ambiente organizacional: o feedback. Explico. Até um tempo atrás, o chefe que dava broncas públicas nos seus colaboradores, muitas vezes, era valorizado porque sabia como levar todos em rédeas curtas. Os chefes, em muitas situações, atacavam a pessoa muito mais do que o seu desempenho. Eles não hesitavam em assediar moralmente os funcionários com xingamentos e expressões que os humilhavam. Os funcionários eram tratados a base de um chicote verbal. Pensa-se que esse é um mundo que já vai longe. Tem-se em mente que com a diminuição dos níveis hierárquicos nas organizações e com o surgimento de uma cultura em que as pessoas já não se submetem ao chicote, a postura e o comportamento dos gestores precisaram mudar para que não se perdesse o melhor da organização: as pessoas. Assim, aquelas broncas públicas começaram a dar lugar aos processos de avaliação de desempenho em que o foco recai sobre as habilidades e as competências necessárias para o melhor desempenho da tarefa de forma construtiva e não agressiva. Entretanto, transcrevi o diálogo acima tal e qual ele foi dito: vou ter que dar um feedback bastante duro na equipe… Provoco a que se substitua a palavra feedback por bronca e veja o que você tem? Vou ter que dar uma bronca bastante dura na equipe. Uma construção gramatical perfeita. Pergunto, onde fica o feedback nessa abordagem?
Considere-se que o feedback como um instrumento de gestão, de desempenho e de liderança tem sido entendido como a arte de fornecer informações relevantes para que o outro ou os outros melhorem o desempenho, sem, contudo, ser simplesmente uma opinião ou que venha carregado de emoção ou de sentimento. Feedback é uma abordagem racional sobre resultados, conduta e comportamentos que podem ser melhorados como consequência do feedback. Merece destaque que o feedback foi pensado como uma estratégia para ajudar as pessoas a se desenvolverem e a melhorarem o seu desempenho, contribuindo para o aumento da produtividade organizacional e para a maior satisfação individual. Um feedback deve trazer em sua abordagem o respeito para com aquele para quem ele é dado, considerando a postura ética, a especificidade e a validade das ponderações, a racionalidade da sugestão e a clareza dos objetivos para a finalidade que o feedback é dado. Outro ponto que merece cuidado e atenção é o momento e a situação em que o feedback é dado. Caso o feedback venha carregado da subjetividade de precisar ser bastante duro, possivelmente ele não passará de uma velha e antiga bronca de um bronco que ainda está no tempo do chicote.
E você, ainda usa o chicote verbal para dar feedbacks? Cuidado, pode simplesmente ser uma bronca.