Queria estar como você!
Na última semana tive que fazer uma parada programada e obrigatória num centro de reabilitação que trata de pessoas com lesão medular, meu caso como cadeirante. Retorno depois de quase trinta anos para uma reavaliação da minha condição com as suas particularidades e, por vezes, complicações. No andar do hospital em que estava internado havia mais de 30 pessoas com algum tipo de lesão medular, sendo a maioria homens jovens, com algumas mulheres e pessoas com mais idade. Pela manhã levantei-me com a força dos meus braços e fui para a minha cadeira de rodas. Olhei para a minha esquerda e vi o meu agora amigo tetraplégico que me disse:
– Eu gostaria de estar assim!
Não havia inveja nem maldade em seu comentário, talvez um momento de nostalgia. Aprendi que ele é uma pessoa emocionalmente forte e uma inspiração para qualquer pessoa que se deixa levar pelo pessimismo, tristeza, frustração ou qualquer outro sentimento não produtivo. A alegria era parte de sua natureza ou era uma escolha sua. Ele não reclamava, apenas admirava. Ele se referia a minha ainda capacidade de sair sozinho da cama. Ele, naquele momento, não podia. Após o comentário, olhei para a direita e vi outra pessoa com lesão medular que se levantava da cama com a força das pernas. Ele caminhava devagar, porque a sua coordenação motora havia sido afetada. Pensei: Eu queria estar assim! Tive que rir, porque parece que sempre estamos buscando fora a solução que está dentro de cada um.
Muitas vezes, olhamos para o lado e pensamos que as nossas dificuldades e os nossos problemas são os mais difíceis. Pode até ser verdade, porque eles são nossos e somente nós os podemos resolver ou não. Não resolver também é uma maneira de resolver. Por isso, algo não indicado a fazer é comparar-se ou comparar problemas o que tende a gerar competição. A competição pela comparação, por vezes, começa no seio familiar que se replica no ambiente escolar e, posteriormente, nas organizações. Consequentemente vigora na sociedade, onde é reforçado pelo uso indiscriminado das redes sociais que valorizam o que pareço ser e não o que sou. Desse modo, para parecer ser eu preciso consumir o que não posso e que não precisaria comprar. As pessoas se envolvem num movimento desordenado por conquistas materiais e de imagem que produz infelicidade. Há uma busca insana em comparação com o vizinho, com o irmão ou com o colega de profissão em que competem por dinheiro e poder, além da ostentação de bens de consumo como carros, joias, viagens ou outros itens de consumo. Comparam-se. Frustram-se. São infelizes.
Não há como desejar estar onde o outro está. Você está onde deveria estar pelas escolhas que fez ou pelo acaso que o levou até aí, mas somente você pode decidir ficar ou seguir. Comparar-se, seguramente, não é o melhor caminho, porque somos únicos e singulares, assim como somos plurais e múltiplas. Por fim, entendo que a comparação pode acontecer, porém ela somente é legítima caso sirva de inspiração para que você construa o seu caminho.
Em seguida ao meu riso comentei com os amigos de hospital o pensamento. Ambos riram, porque eram pessoas com deficiência física com uma saúde emocional e espiritual invejável. Enfim, deixar de olhar somente para o próprio umbigo num movimento vitimista de acreditar que o mundo não é justo, pode fazer a diferença para que cada um seja justo no mundo. A comparação acontece? Dê um passo a mais: admire, aprenda e aplique aquilo que serve em sua vida. Mais uma vez olhei para eles e soube naquele momento que eles são e continuariam sendo inspiração para que eu siga a minha trajetória.
Essa situação, naquele dia, mostrou-me que eu não posso estar onde o outro está. Estou onde devo estar. Por isso, o ambiente em que fiz a minha parada obrigatória programada, além dos benefícios do tratamento, equivaleu a muitos anos de terapia.
Aquilo que você compara serve de inspiração?
Moacir Rauber
Instagram: @mjrauber
Blog: www.facetas.com.br
E-mail: mjrauber@gmail.com
Home: www.olhemaisumavez.coom.br