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Raso ou profundo: de onde vem o leite?

A semana do Seu Pedro começou estranha, porque um de seus netos acreditava que o leite vinha da caixinha, e terminava feliz, porque finalmente ele conseguira um trabalho. Com seus quase sessenta anos tinha sentimentos contraditórios de alegria e de ansiedade. Na segunda-feira ele começaria a trabalhar e teria que se sujeitar às ordens de um chefe pela primeira vez na vida. Chegou cedo. Um rapaz com menos de trinta anos chegou até ele e disse:

– Seja bem-vindo, Seu Pedro. Vou lhe mostrar a empresa, e saíram caminhando.

A conversa foi boa. O jovem cumprimentava todas as pessoas e percebia-se o respeito entre eles. Depois ele soube que ele estivera passeando com o principal executivo da empresa. Ficou admirado porque não era essa a imagem que ele tinha das organizações. Seu Pedro fora trabalhar numa empresa horizontal, em que os resultados eram mais importantes do que a hierarquia.

Entende-se que a horizontalidade chegou antes na essência do homem atual do que nas organizações. O modelo administrativo que tem sido mais implementado e sugerido para alcançar as melhorias de produtividade exigidas pela alta competitividade de todos os setores de produção e comercialização é o da horizontalidade, com a consequente diminuição dos níveis hierárquicos. Desse modo, as empresas se tornam planas, rasas e com poucos escalões, ganhando agilidade e competitividade. Porém, para chegar às organizações essa ideia já havia tomado forma na própria concepção do homem que também se desverticalizou, tornando-se plano, superficial, raso e pouco profundo, porém com menos preconceito.

Ao recuarmos no tempo, aproximadamente cem anos, a grande massa populacional dos países se concentrava nos campos, local de pouca tecnologia, no conceito moderno, mas de muito conhecimento. O homem era profundo e vertical, pois conhecia todo o processo de produção do qual dependia para subsistir no meio em que vivia. Por outro lado, era autoritário e preconceituoso, dificilmente aceitando mudanças de posição ou de conceitos. Por sua profundidade poucos eram os insumos de que dependia sobre os quais ele não dominava a sua forma de produção. Entretanto, com o incremento da tecnologia esse mesmo homem começou a se horizontalizar, não dominando mais todas as partes do processo. Assim, passou a comprar as partes que compunham o produto final de que precisava. Consequentemente, o homem rural vertical perdeu competitividade e foi morar nas áreas metropolitanas. Por outro lado, o agora homem urbano é horizontal e ganhou maleabilidade com a amenização de suas posições rígidas.

Certamente, muitos desses novos moradores urbanos ainda lembram das histórias contadas por seus pais e avós, como o Seu Pedro, que descrevem uma vida que já não é mais possível. Uma vida com valores e conhecimentos profundamente arraigados, personificando um homem completo, e autossuficiente. Por outro lado, esse mesmo homem carregava uma enorme carga de preconceitos que beirava a insanidade.  Hoje se tem o homem urbano, digital e virtual, muitas vezes sem raízes e sem profundidade, talvez mais maleável. Por isso, o homem não deve ser nem tão raso que seja superficial, nem tão profundo que seja intransigente. É preciso saber que o leite não vem da caixinha.

Fonte da imagem: https://www.youtube.com/watch?v=yCq2oNtHWDA

Moacir Rauber

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