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BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO “DEMASIADAMENTE HONESTOS”!

Bem-aventurados os que são “demasiadamente honestos”!

Fazia trinta anos que ele repetia um ritual: levantava-se pela manhã, preparava o seu café, vestia-se apropriadamente e seguia de metrô para o trabalho numa empresa que ele viu nascer, uma vez que foi o seu primeiro funcionário. Agora era uma empresa gigante com um dono que se orgulhava de defender valores como a honestidade, a integridade e a justiça. Com o passar dos anos o dono se tornou seu amigo, por isso ele viu o seu filho crescer, fazer faculdade e se tornar adulto. Pela primeira vez, em todos esses anos, ele não cumpriria o seu ritual. Levantou-se no mesmo horário, foi para a cozinha, fez o café, mas não se vestiu e nem saiu para trabalhar. Isso porque no dia anterior havia sido demitido pelo filho do dono que assumira o controle da empresa. Foi um choque que ele não sabia como e nem quando iria se recuperar. Primeiro, veio a morte de seu amigo e dono da empresa. Em seguida o filho assumiu o controle. Logo, ele foi comunicado de que ele não fazia mais parte do quadro laboral da organização e que podia desocupar a sua sala, limpando a sua mesa. Entre as novas diretrizes da empresa estava o entendimento de que era necessário rejuvenescer o quadro de colaboradores. Nos corredores da empresa circulava a conversa de que alguns dos que estavam sendo dispensados eram “demasiadamente honestos”. Ele era um deles. “Bem-aventurados os que tem sede e fome de justiça, porque eles serão saciados”, como fica? Onde está a justiça na situação contada que não é nova e segue se repetindo?

A sua demissão havia ocorrido há oito anos. Ele agora contava com setenta anos e relembrava essa história com a sua esposa. Ao ser demitido se sentiu injustiçado e teve vontade de se vingar, de ofender e de castigar o responsável por ele perder o chão. Ficou somente na vontade, porque quem tem fome e sede de justiça não pratica a vingança. Após sair da empresa ele entrou num profundo período de recolhimento, beirando a depressão. Não sabia o que fazer com o seu dia. Lembrava-se da acusação de ser “demasiadamente honesto” como uma das razões para a sua demissão. Não podia acreditar. Os dias se passaram e ele saiu do recolhimento. Foi procurar os demais colaboradores que saíram da empresa, todos com mais de cinquenta anos. Alguns já estavam recolocados. Outros ainda procuravam uma nova oportunidade. Falou com estes. Uniram as suas competências e iniciaram um novo negócio em formato de cooperativa. Hoje eles conduzem uma organização promissora que conta com um quadro de colaboradores comprometidos, tendo entre os seus valores a honestidade, a integridade e a justiça. Quem tem sede e fome de justiça não precisa de vingança para fazer vingar a prosperidade. E a empresa do seu falecido amigo?

A empresa controlada pelo filho do seu amigo segue a sua vida, porém com muitas dificuldades. O capital representado por ser conhecida como uma empresa honesta, íntegra e justa que a tornava confiável, em parte, se havia perdido. Com isso, muitos contratos desapareceram e com eles grandes clientes se foram. O filho lutava para manter a empresa em pé, recorrendo a cooperativa de consultores presidida pelo seu antigo primeiro colaborador. “Bem-aventurados os que tem sede e fome de justiça, porque eles serão saciados” não se trata de vingança nem de revanche e muito menos de religião. Refere-se a um convite para sermos honestos, íntegros e justos em nossas decisões, intenções e ações para que se construa um mundo melhor com pessoas “demasiadamente honestas”. Além do mais, no longo prazo a honestidade, a integridade e a justiça são lucrativas. Por isso, o mundo pode não ser justo, mas cada um pode ser.

Moacir Rauber

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Um atestado, os cúmplices e os ladrões de si mesmos

Estava na rua numa véspera de feriado. Muitas outras pessoas também estavam. Enquanto eu esperava na faixa de pedestre para cruzar a rua, uma mulher que aparentava ter por volta de 35 anos se parou ao meu lado.  Ela falava ao celular:
– Não, não. Não fui trabalhar hoje. Pedi um atestado. Estou na rua para fazer umas compras…

O diálogo representa uma situação corriqueira que se repete diariamente na realidade das empresas públicas e privadas do Brasil. Nós sabemos disso, é senso comum. Ouvi sem querer, mas pensei deliberadamente sobre o que estava acontecendo ao meu lado. Poderia identificar uma rede de roubos que prejudicava outras pessoas, provavelmente, uma equipe e uma organização. Como assim? É apenas um dia de serviço que ela faltou ao trabalho…

Na verdade, nesse fato se pode identificar um duplo roubo, além de outros cúmplices. Ela rouba a sua organização, ela tem cúmplices no seu roubo e rouba a si mesma. No primeiro caso, o roubo é facilmente identificável. A pessoa foi contratada para estar na organização naquele momento e não para fazer compras. Naquele horário ela tinha o compromisso moral e legal de estar na organização, que, para isso, pagava-lhe o salário no fim do mês. Não sei se a organização dela era pública ou privada, o que sei é que ela havia pegado um atestado falso para estar na rua. Ela não estava roubando algo físico, mas ela roubava a produtividade e a competitividade da sua equipe e da sua organização que contava com ela para entregar aquilo que se propunha para os seus clientes. Aquele dia poderia representar o atraso na entrega de um projeto, o não atendimento de um cliente ou a diminuição da produção da sua equipe. E isso é roubo.

Os cúmplices são aqueles que emitem um documento falso para que uma pessoa continue a receber integralmente por aquilo que não cumpriu. A funcionária que faltou ao trabalho deliberadamente não merecia a totalidade do seu salário e isso somente foi possível porque alguém fraudou um documento que lhe permitiu não ser responsabilizada pela sua falta de responsabilidade. Em outras palavras, isso é roubo.

E por que ela estaria roubando a si mesma? No meu ponto de vista, esse roubo acontece antes mesmo de ela roubar a organização e de arregimentar cúmplices. Além disso, é muito mais grave. A partir do momento em que ela assumiu o compromisso com a organização e não o cumpriu, ela roubou de si mesma a integridade, a honestidade e também a sua credibilidade. Não é íntegro usar de subterfúgios para deixar de cumprir com compromissos assumidos. Não é honesto prejudicar uma organização e uma equipe ao receber uma remuneração indevida. E, por fim, ela roubou a sua credibilidade ao adotar o comportamento que adotou. Com que credibilidade essa pessoa poderá exigir de seus filhos, dos vizinhos ou mesmo dos políticos um comportamento íntegro e honesto?

Com toda a certeza o roubo que ela cometeu ao faltar ao trabalho sem uma razão verdadeira era uma consequência de já ter se roubado a honradez e a dignidade. Roubar de si mesmo é o precursor dos demais crimes. Cabe a ela e àqueles que roubam das organizações e de si mesmos lembrar que ser dispensável temporariamente em função de um atestado falso, muito provavelmente indica alguém que poder ser dispensável permanentemente. Prenda o ladrão de si mesmo para também não roubar dos outros.


E nós que sabemos que o fato acima é algo comum no país somos cúmplices por omissão…