O avô e o neto estavam completamente encharcados. A calçada em frente da casa estava molhada e ensaboada e eles não se cansavam de escorregar de um lado a outro. Ora era o avô que deslizava de costas pela calçada. Em seguida vinha o neto. Dali a pouco o neto se jogava de barriga no piso molhado e resvalava até o outro lado da calçada. Para quem olhava de fora, a única certeza era a de que ambos estavam se divertindo muito, porque as gargalhadas não paravam. O avô, quase em êxtase, mas revelando o peso da idade e a tristeza por acreditar que a vida não seria mais muito longa, disse:
– Pena que eu não tenho mais muito tempo… Lamentou.
– Que bom, vovô. Eu também não tenho muito tempo. Ontem eu tinha aula de inglês, amanhã vou para a escola de karaté. Eu só tenho tempo hoje. Vamos aproveitar!
Exclamou o neto demonstrando todo o entusiasmo dele com o momento fantástico que vivia com o avô, jogando-se mais uma vez de barriga na calçada escorregadia.
A fala do avô e do neto são sensacionais. Por um lado, o lamento do avô pelo fato de talvez já não ter tantos anos de vida pela frente, mostra a triste realidade de como poucas pessoas conseguem entender o tempo, incluo-me entre elas. Por outro lado, o entendimento do neto sobre viver o momento presente mostra a beleza de uma interpretação simples e verdadeira do tempo. Nós não temos passado, nós não temos futuro, nós apenas temos o presente.
Muitas vezes, quando crianças ou adolescentes, queremos ser adultos antes do tempo para podermos aproveitar as maravilhas da autonomia da vida adulta. Nossos sonhos se voltam para poder dirigir, namorar, casar e ter uma profissão. Por isso, muitas vezes, terminamos por esquecer de viver a infância e a adolescência em sua plenitude ao deixarmos de brincar com as coisas simples da vida e ao não darmos valor às inúmeras oportunidades de aprendizagem. Perdemos o tempo. Mais tarde, quando adultos, ficamos na encruzilhada das dúvidas da vida. Sim, temos toda a autonomia para decidir o que faremos de nossas vidas, mas não sabemos mais qual ou quais as nossas prioridades. Vou manter o foco na família? Preciso dedicar mais tempo para a profissão? Onde encaixo os amigos nisso? E quando vou cuidar da espiritualidade? São perguntas que nos atormentam. Nesse momento, sentimos saudades do tempo em que éramos crianças para ter alguém que fizesse as escolhas por nós. Com isso, muitas vezes, deixamos de aproveitar as belezas da autonomia da vida adulta e da sua plenitude física e mental. Inclusive, esquecemos de brincar porque já não temos tempo. O tempo passa e a idade chega. Para muitos, também chega o tempo das lamentações. Devia ter amado mais, ter chorado mais, ter visto o sol nascer… diz a letra da canção expressando a frustração da vida daqueles que esqueceram de viver na infância, na vida adulta e na terceira idade continuam a cometer o mesmo equívoco. Continuam a esquecer de viver o único tempo que se tem: o presente. Por isso a pergunta: quanto tempo você tem?
Volto para a percepção temporal do netinho. Quanto tempo o avô tem? Exatamente o mesmo tempo que o netinho tem. Nada a mais nada a menos. Tanto o neto quanto o avô, assim como você e eu, têm apenas o hoje, o agora. Nada mais. Desse modo, entendo que a percepção do avô, assim como da grande maioria das pessoas, de que quanto mais jovens somos mais tempo nós temos, é equivocada. Nós não temos passado e nós não temos futuro, porque nós somente temos o presente, eternamente. Então, o nosso melhor tempo é o agora, para sempre.
O que você está fazendo com o único tempo que tem? É tempo de Páscoa. É um bom tempo para refletir sobre o uso do tempo.
Moacir Rauber
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