É fácil viver com o outro?
Estar com o outro, muitas vezes, nos parece difícil. Digo isso porque tive a oportunidade de viver numa família bem organizada a partir dos papéis sociais de cada um: os pais eram os pais e os filhos eram os filhos. Parecia difícil cumprir as exigências dos pais e as implicâncias dos irmãos. No mundo corporativo comecei trabalhando numa empresa em que a chefe era muito exigente e parecia quase impossível alcançar as metas que ela propunha. Com os amigos, por vezes, eles pareciam inconvenientes porque nunca sabiam o que queriam. Na relação conjugal parece que a companheira implica com as pequenas coisas que não me importam muito, por isso também não é fácil estar com ela. Assim, é fácil chegar à conclusão de que viver com o outro não é fácil no trabalho, nas amizades e na família. Porém, a pergunta a ser feita deveria ser: é fácil viver com quem eu sou? É bom estar comigo? Essa pergunta me veio à lembrança porque, certa feita, fui confrontado com uma situação de divergência em que a outra parte disse:
– Caramba, você não é fácil mesmo!
A conversa seguiu. Recuei da minha posição e chegamos a um acordo. Entretanto, aquela fala me acompanhou a noite toda. Repensei inúmeras situações. Na minha família, acreditava que meus pais eram exigentes e os irmãos implicantes, porém ao analisar com mais cuidado também eu era impertinente e pedante. Certamente não foi fácil para eles serem meus pais e não era tão simples meus irmãos serem meus irmãos com quem eu era. No ambiente profissional, cumpri o papel de organizar algumas empresas. Hoje vejo que eu era exigente e não era tão simples nem fácil estar comigo. Nas relações de amizade nem sempre sou tão fácil de encontrar, não faço os movimentos que poderia fazer e igualmente nem sempre sei exatamente aquilo que quero ou espero. Na relação conjugal as pequenas coisas que, por vezes, irritam o outro são uma constante. Tenho a consciência de que deixar a roupa jogada na cama e não pendurada no cabide irrita a minha esposa, entretanto faço isso quase todos os dias. É algo insignificante para mim, mas significante para o outro. Desse modo, além de se perguntar se é fácil viver com quem se é, há que se perguntar: é fácil conviver com o meu comportamento? É fácil viver com as minhas ações e reações? É fácil interagir com as minhas posições e interpretações de mundo? Fazer uma pausa para olhar para dentro pode ajudar. A pausa pode vir de um retiro para fazer um replanejamento estratégico da própria vida. O que você quer? Para onde quer ir? Quem é importante para você nessa viagem? A pausa pode vir de uma meditação diária no início do dia. Qual é a sua intenção? Como transferi-la para as ações? A pausa pode vir da não reação frente a uma ação da qual se discorda. “Conte até dez”, “respira fundo” ou outra estratégia que nos leve a fazer uma pausa para não reagir, mas sim agir em conformidade com as intenções. Entende-se que a pausa muda tudo, inclusive ela dá sentido ao movimento.
Enfim, naquele dia em que fui confrontado com a fala de que eu não era fácil tomei consciência de um universo comportamental que afetava os outros. Eu afetava sem afeto. Nesse movimento produzia dor, angústia e sofrimento, deixando os ambientes tóxicos. Assim, a pergunta: “é fácil viver com o outro?” talvez não seja a primeira a ser feita. Com os pais somente posso agradecer, porque eles estão em outro plano. Olhando pelo retrovisor, foi fácil viver com eles. Com os irmãos a relação está madura e plena, talvez resultado da própria idade que temos. Hoje é fácil viver com eles. Com os amigos as pequenas diferenças fazem parte do encanto de cada um. É fácil viver com eles. Com a esposa ainda preciso aprender a pendurar a roupa no cabide, por isso a pergunta: é fácil viver com quem eu sou?
Moacir Rauber
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