Passeava pelos corredores do shopping em direção a livraria onde encontraria uma amiga. No caminho fui surpreendido por uma intervenção inesperada de um menininho que tinha lá seus cinco anos e que caminhava em sentido contrário segurando a mão de sua mãe. Ele me olhou e começou a falar bem alto:
– Olha mãe, olha mãe, um cadeirante, um cadeirante…
A mãe foi pega de surpresa e de forma constrangida puxou o menino para que continuassem o seu caminho. Eu segui o meu, mas a fala daquele menino foi o suficiente para provocar uma reflexão: se eu tenho uma cadeira de rodas e eu uso uma cadeira de rodas quer dizer que eu sou um cadeirante? Fiquei pensando nisso. Faz muito tempo que tenho e que uso uma cadeira de rodas e com a observação do menino entendi que eu não sou um cadeirante. Por que não?
O raciocínio se refere a nomenclatura da palavra “cadeirante” que me remete a ser aquilo que eu apenas uso e, portanto, quem usa uma cadeira de rodas seria um cadeirante. Se assim fosse, as pessoas que usam um carro seriam um carrante; quem usa um ônibus seria um onibusante; quem usa uma bicicleta seria um bicicletante. E na verdade as pessoas não são aquilo que usam. Elas apenas se beneficiam das possibilidades que cada um desses itens oferece sem que se tenha que assumir a condição de ser aquilo que se usa. Dessa forma, um usuário de cadeira de rodas não é um cadeirante, porque ele apenas a usa para fazer coisas que sem ela não é possível. Por isso, sou usuário de cadeira de rodas porque é com ela que saio de casa para o supermercado. É com a cadeira que vou ao trabalho. É com a cadeira que vou ao cinema. É com a cadeira que vou ao banho. É com a cadeira que vou à cama. É para a cadeira que eu vou logo que acordo, porque é com ela que faço com que o meu dia aconteça. Portanto, é a cadeira de rodas que me permite fazer o que faço e ser quem eu sou, mas eu não sou ela. Por isso, caso eu me assuma como cadeirante passarei por incorporar as limitações da cadeira de rodas e não as suas possibilidades. Prefiro olhar para as possibilidades.
Avançando para outra questão pergunto: você tem um corpo ou você usa o seu corpo? Você tem um cérebro ou usa o seu cérebro? Você tem uma mente ou você usa a sua mente? Acredito eu que o raciocínio mais uma vez segue uma ordem similar. Cada um de nós tem um corpo do qual usa parte de suas possibilidades. Cada um de nós tem um cérebro do qual algumas de suas possibilidades. Cada um tem uma mente da qual usa parte de suas possibilidades. Igualmente, nenhum de nós é o seu corpo, o seu cérebro ou a sua mente.
Depois dessa reflexão, a pergunta, mas afinal, “Quem sou eu?” ou “Quem é você?” seria pertinente, não seria? Enfim, quem cada um é cabe a cada um definir. Por mais simples que possa parecer a pergunta “Quem sou eu?”, ela é complexa. Talvez seja por isso que tantas pessoas passem por esta vida sem jamais tê-la respondido. Também não tenho uma resposta para a questão, porque acredito que estamos em permanente construção.
Acredito que nós somos o resultado da junção do nosso corpo, incluindo o cérebro, da nossa mente e do nosso espírito (Alma, Eu Superior), assim como tenho a convicção de que não somos nada daquilo que usamos para sermos quem nós somos.
Por isso, sei que não sou um cadeirante e sim um usuário daquilo que me é oferecido.
E você, quem é?
Moacir Rauber
Blog: www.facetas.com.br
E-mail: mjrauber@gmail.com