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Admiração ou idolatria?

Fui seminarista durante um tempo. Tínhamos um mentor espiritual que dizia o seguinte:

– Na trajetória de vocês sempre olhem para a frente. Identifiquem pessoas de quem vocês admirem o comportamento. Tenham-nas como modelos, como referências. Porém, sempre se lembrem de que elas são apenas pessoas… Era parte das recomendações dele para nós seminaristas.

Ele desenvolvia o seu raciocínio destacando que é importante que cada um de nós tenha um modelo e que tenhamos referências saudáveis para observar o comportamento e seguir o que é recomendável. E quando ele nos alertava que os nossos modelos eram apenas pessoas ele jogava para cada um de nós a responsabilidade de replicar somente o que era positivo. Esse é o exercício do livre arbítrio. Cada um tem o dever de discernir o que é certo ou errado, ainda que seja no comportamento de pessoas que admiramos, porque assim como nós, elas são simplesmente humanas e podem errar. A admiração que se tem por alguém não pode nos tolher a visão, transformando-o em ídolo, porque a idolatria nos cega.  Aquele que transforma pessoas em ídolos e passa a adotar os comportamentos de um idólatra, termina por outorgar o direito ao ídolo de cometer toda uma série de abusos e barbáries. É a permissão do fã para que o ídolo possa transgredir. E não é esse o papel de quem tem o mínimo de capacidade intelectual. A idolatria leva a que surjam os autoritários e os ditadores. Uma pessoa deve ser admirada pelo que tem de bom, mas também deve responder pelos seus deslizes.

Por isso, o nosso mentor concluía:

– Admirem pessoas, mas não tenham ídolos.

Essas recomendações eu ouvi há mais ou menos quarenta anos e seguem mais atuais do que nunca. No meio profissional, social e político podemos admirar os mais competentes para aprender com eles, porém também devemos assumir a responsabilidade de dar a nossa contribuição positiva com a nossa visão de mundo. Podemos aprender com as pessoas éticas, honestas, respeitosas e transparentes em suas relações, no exercício da profissão e no meio político, porém devemos ter a consciência de que essas mesmas pessoas, ao cometer algum deslize comportamental, devem assumir as suas responsabilidades diante da sociedade. Por um lado, acredito que sempre se deve aplaudir aqueles que fazem o que deve ser feito em conformidade com o acordo social vigente, ainda que o comportamento ético, honesto e responsável não é mais do que a obrigação dos cidadãos. Por outro lado, também acredito que cada um deve responder pelos deslizes e comportamentos inadequados, porque a admiração que se tem por alguém não lhe dá salvo conduto para cometer crimes.

Quem você admira profissionalmente? Observe, aprenda e replique o que for positivo. Quem você tem como referência socialmente? Adote os comportamentos que o fazem ser referência e melhore a sociedade. Em quem você votou ultimamente? O seu voto deu a permissão para que ele transgredisse a lei? Cuidado para não isentar seus ídolos de suas responsabilidades.

Fonte: https://www.canstockphoto.com.br/ilustracao/fascista.html

 

Moacir Rauber

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Visão de mundo: educador ou doutrinador?

Desde muito cedo gostei de ler, conversar e escutar sobre política, entre outros assuntos polêmicos ou existenciais. Interessava-me ouvir as argumentações a favor e contra uma visão. Descobrir a verdadeira posição por trás de uma explicação era o que eu buscava na fala dos meus professores. Ficava atento a como eles abordavam um determinado tema para encontrar pistas sobre qual o posicionamento que eles teriam fora de sala de aula. Normalmente, era muito fácil identificar. Entretanto, havia um professor de quem eu não conseguia extrair a informação que buscava. Ora parecia-me que ele tendia a um lado, ora parecia-me o oposto. Era justamente o professor que trabalhava as disciplinas voltadas para temas filosóficos e sociológicos no Ensino Médio. Por fim, havia concluído que ele tendia para uma determinada corrente política. No ano seguinte, tivemos eleições. Para minha surpresa, o professor lançara-se candidato a vereador. Surpresa maior ainda foi vê-lo ser candidato justamente pela corrente política oposta àquela que eu havia identificado como sendo a dele. Não acreditava naquilo. Como ele poderia ser da corrente política contrária àquela para a qual, aparentemente, ele demonstrava mais simpatia em sala de aula? A minha surpresa se transformou em admiração, porque percebi que o professor havia me dado a oportunidade de ter uma visão do mundo e não apenas a sua visão de mundo.
 
O tempo passou e eu também acabei em sala de aula. Havia um grupo de alunos da Faculdade de Administração que era muito engajado politicamente, por isso temas polêmicos eram recorrentes no transcorrer de um semestre. Toda vez que a visão política partidária se imiscuía no tema das aulas eu adotava a posição da não posição. Levantava questões de uma ou outra vertente política, ligando-as ao tema da administração. Buscava alargar as fontes de consulta teóricas para que os alunos pudessem ter a visão ampliada daquilo que se debatia. No ano seguinte, novamente teríamos eleições. No final do período para filiação partidária, um dos meus alunos me pediu para que me filiasse ao seu partido político. Agradeci o convite e justifiquei o fato de não me filiar a nenhum partido político em função da minha profissão. Não deixava de ser verdade, porém destaco que o convite veio de alguém que defendia ideias políticas exatamente contrárias às minhas. Fiquei feliz por isso. Havia conseguido não revelar minha visão de mundo para que os alunos tivessem a visão de um mundo muito maior do que as limitações a que cada um de nós está sujeito pelos próprios limites.
 
Observando a realidade atual das escolas e universidades, admiro ainda mais aquele professor. Rapidamente pode-se concluir que os educadores e professores que trabalham com as disciplinas de filosofia, sociologia e outras voltadas ao desenvolvimento da capacidade de pensamento e abstração dos alunos são os primeiros que se posicionam sobre tudo e sobre todos. Tais professores e educadores têm a convicção de que ao dar a sua visão de mundo contribuem para um mundo melhor. A realidade, no meu ponto de vista, é outra. Acredito que, ao limitarem os alunos a verem o mundo como eles o veem, desenvolvem um processo de castração da capacidade de abstração individual. Trabalham como doutrinadores e não como professores. Os alunos não constroem conhecimento, pois geralmente emprestam-no dos professores. Portanto, tampouco conhecimento é.
 
Entendo também que sempre e quando queremos impor ao outro a nossa visão, trata-se claramente de uma atitude prepotente de quem se acredita melhor do que o outro. E, por fim, expresso a minha visão com as minhas limitações: acredito que devamos educar as pessoas para serem boas umas para com as outras e não para que queiram ser melhores umas do que as outras. Assim, prefiro professores educadores a professores doutrinadores. É apenas uma visão de mundo. Concordar ou não, depende de cada um.
Fonte da imagem: http://patatitralala.blogspot.com.br/2010/09/importancia-do-desenho-na-pre-escola.html