Imagem: GEMINI AI

QUE BAIRRO FEIO…

Visitar um amigo é um prazer e quando ele tem oitenta anos se transforma num aprendizado. Minha esposa e eu chegamos no horário combinado para tomar um café e em seguida apareceu o nosso amigo para nos cumprimentar com o afeto característico. Ainda na conversa introdutória, fiz um comentário sobre o bairro em que ele residia:

– O bairro está lindo. Tinha a impressão de que era um bairro feio…

Ele não respondeu imediatamente. A sua expressão era tranquila, mas eu comecei a ficar ruborizado pela vergonha. Por quê? Porque na pausa do meu amigo tive tempo para perceber o julgamento que eu fazia sobre uma realidade que não conhecia a partir de uma interpretação minha. Quem era eu para dizer que o bairro era feio?

No tempo em que o meu amigo não dizia nada, busquei na memória as lembranças da experiência que havia tido no bairro há mais de vinte anos.

Lembro-me que estava na cidade e me enganei de rua, perdendo-me no bairro numa noite escura. Havia pouca iluminação, as ruas estavam esburacadas e sem asfalto. Senti medo e uma agitação tomou conta de mim, assim fiquei zanzando de um lado a outro pelas ruas do bairro. Para aumentar a incomodidade, furou um pneu. Podia parar, mas me resultaria muito difícil trocar o pneu na noite. As pessoas que via pareciam que estavam à espera de uma oportunidade para uma maldade. Segui rodando por um período, até que encontrei um posto de combustível e uma borracharia. O pneu furado já não tinha mais conserto, mas eu pude me acalmar.

Ao relembrar a cena vejo a carga de julgamentos presentes no meu comentário.

Talvez, se nesse tempo tivesse conhecimento da Comunicação Não-Violenta (CNV) e da Inteligência Positiva (IP), poderia ter outro registro sobre o fato na minha memória. A IP nos alerta sobre a constante e, muitas vezes, invisível presença dos sabotadores internos no nosso cotidiano. Há um sabotador regente, o juiz, que acusa o outro, culpa a situação ou se autocritica num movimento de aparente defesa que termina por ser prejudicial para o próprio indivíduo. Aqueles que têm consciência dos sabotadores podem fazer uma ação rumo ao sábio que existe em nós para ver as possibilidades em qualquer situação. O sábio interno se destaca pela capacidade de empatia, navegação e exploração de possibilidades nas diferentes situações, assim como pela capacidade de inovar e ativar o sábio para ver alternativas. Já a CNV nos oferece ferramentas para observar sem julgar, atendo-nos aos fatos, induzindo-nos a assumir a responsabilidade sobre os sentimentos, bem como a identificar as necessidades para, finalmente, fazer um pedido. Uma ação concreta. Na cena que descrevi sobre as recordações do bairro em que vivia o meu amigo, o sábio havia desparecido e o juiz acusava a todos despertando em mim o medo. A interpretação que eu fazia da realidade não poderia ser descrita de forma literal como a via, jogando para os outros as responsabilidades sobre o meu medo, confundindo as minhas necessidades, fazendo com que não fizesse as melhores escolhas.

Troquei o pneu e segui viagem sem que nenhum dos meus medos fossem reais. Assim, pude ver que beleza ou feiura está nos olhos de que vê, por isso é essencial aprender e se educar para o belo. Nesse momento, via os olhos do meu amigo que me sorria com a beleza de quem envelheceu com a juventude de espírito. Logo respondeu:

– O bairro não era feio. Teve um tempo que ele era pobre…

O meu amigo não conhecia a CNV ou a IP, porém ele tinha a mente aberta para aprendizagem e livre de preconceito de alguém que usa as informações e o conhecimento para tomar as suas decisões. O meu amigo era padre há mais de cinquenta e o seu mestre já dizia, “Não julgueis, e não sereis julgados; não condeneis, e não sereis condenados; …” (Lc 6, 37), muito antes de pensarmos que precisamos da ciência para explicar certos comportamentos.

Moacir Rauber

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