
O que é relativo para você?
Os alunos da faculdade haviam feito uma promoção numa danceteria da cidade para arrecadar fundos para a formatura. Convidaram os professores e nós fomos com o intuito de prestigiar o evento. Fiquei por um tempo para depois voltar para casa, não sem antes ser impactado pelo comportamento dos alunos em sala de aula e a sua postura fora dela. Um rapaz que em sala de aula era o mais descontraído, na danceteria era o mais retraído. Uma moça que em sala de aula era tímida, na danceteria era extrovertida. Num momento, ela se aproximou e disse:
– Professor, já “peguei” doze!!!
Ela se referia ao número de rapazes que já havia beijado naquela noite. Falo de uma moça, mas poderia ter sido um rapaz, e surpreendeu-me pela banalidade com que ela se expunha sobre algo íntimo como um beijo na boca, para iniciar…
A situação expõe algumas contradições que vivemos com uma normalidade não natural. No momento em que sofremos o impacto do vídeo de Felca sobre a adultização das crianças, acredito que há uma relação de causa e consequência como resultado da relativização gradual que acontece há décadas do correto e do incorreto, do certo e do errado, do bem e do mal, do legal e do ilegal e do moral e do imoral. Pergunto, tudo pode ser relativo?
Entendo que, quando aceitamos que tudo é relativo chegamos a um ponto em que a relativização nos leva a adotar determinados comportamentos como normais, ainda que não sejam nem normais nem naturais, como a adultização de crianças. Igualmente, podemos fazer um trocadilho sobre a adolescentização de adultos que não querem crescer ou a imoralização de comportamentos relacionais por meio da banalização de algo que não é banal como a própria intimidade. Comento que a mesma jovem que “ficou” com doze pessoas numa só noite não gosta de receber pessoas em sua casa com o motivo de preservar a sua intimidade. Por que então orgulhar-se de banalizar algo íntimo como o próprio corpo é visto com normalidade, enquanto fechamos as nossas casas em nome da preservação da intimidade? O que há de relativo nisso?
“Tudo é relativo” tem origem no relativismo como uma doutrina filosófica que explora a relatividade do conhecimento, aplicando-a a fatos, culturas, idiomas ou outros pontos de vista inerentes a uma determinada estrutura. Concordo que um fato pode ser interpretado de diferentes maneiras a partir do ponto de vista de quem o vê, entretanto isso não muda o fato em si. Instalar um aparelho para obter o sinal das TVs pagas sem pagar é correto ou incorreto? Qualquer cidadão de bom senso sabe que é incorreto, além de ser ilegal. Somar a quantia de dois mais dois e apontar como resultado cinco está certo ou errado? Não há como relativizar a questão, uma vez que a matemática é exata. Assaltar, roubar e matar para obter vantagem pessoal está bem ou está mal? É certo ou errado? É legal ou ilegal? É moral ou imoral? É possível relativizar o crime? Podemos relativizar a vulgarização? O relativismo apresenta uma linda argumentação que pode nos conduzir a mudar perspectivas sobre questões inegociáveis. Uso o exemplo da jovem aluna, mas poderia ser qualquer um e em qualquer idade.
Por isso, entendo que a adultização de crianças, a adolescentização de adultos e a imoralização dos costumes em geral é resultado de uma relativização comportamental que começou com a abolição dos limites aqui refletidas na banalização das relações. Se por um lado a pessoa abre a intimidade do seu corpo para vários desconhecidos numa só noite em nome da liberdade e fecha as portas de sua casa para conhecidos em nome da proteção da intimidade, acredito que a relativização perdeu o sentido, não tem norte e está sem rumo. Contudo, aceito que haja questões que são relativas ao contexto cultural, individual e social, entretanto nada disso anula os fatos que, muitas vezes, estão expressos em valores morais, legais, corretos e bons, independentemente de opiniões individuais.
O que é relativo para você?
Os seus valores também são relativos?
Moacir Rauber
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