
Cuidado para não comer peixe podre…
O pedido havia sido feito, agora bastava esperar alguns minutos e poderia desfrutar da explosão de sabores prometida na experiência de comer o lanche mais saboroso do mundo. Seguramente encontraria carne tenra, queijos saborosos, pão macio, folhas de alface, rodelas de tomate, muita maionese, grande quantidade de ketchup, mostarda e outros ingredientes que ele não fazia ideia. A lembrança do sabor era tão forte que começava a salivar antes mesmo da chegada do seu pedido. Logo que chegou deu a primeira mordida e exclamou:
– Que coisa boa!
Em seguida, devorou o lanche alcançando o prazer esperado.
O exemplo se aplica a outros momentos de nossas vidas em que somos estimulados, ou permitimos ser, a consumir com rapidez. Assim, podemos navegar pelas lembranças sobre a primeira paixão ou o primeiro emprego. A experiência, provavelmente, foi forte, intensa, profunda e, muitas vezes, revigorante. Porém, chega um tempo que não se sente com a mesma intensidade, ainda que se esteja no mesmo lugar com as mesmas pessoas e com a mesma experiência. Depois, começa a parecer uma triste repetição de algo que não mais nos encanta, nem nos envolve e muito menos nos emociona. A expansão do prazer imediato encontra o seu limite e assim buscamos uma nova experiência. Do que estamos falando? Da descrição dos viciados em prazer induzidos pela ditadura do sentir.
G. K. Chesterton, escritor inglês nascido no final do século XIX, alertava para uma confusão entre os sentimentos e o compromisso, fato que nos tem atingido em diferentes esferas da vida cotidiana. Os casamentos são menos duradouros porque sempre queremos “sentir” como no primeiro dia. As amizades se desvanecem porque não me abraçou com sentimento. O trabalho já não me satisfaz porque falta emoção. E assim seguimos rolando o dedo pela tela do celular buscando o próximo vídeo para obter o prazer imediato. Está bem sentir com intensidade, porém é o compromisso que nos mantém conectados com as nossas escolhas.
É importante lembrar que sentir está na base de nossas emoções. Assim, sentir é tomar consciência, perceber, adivinhar, intuir ou registrar as emoções que nos são naturais, como a alegria, a tristeza, o medo, a raiva, a surpresa e o nojo. Por isso, o sentir, com sua volatilidade natural, vem primeiro e o compromisso, com a força da escolha, vem em seguida. Entenda-se compromisso como a promessa de cumprir com determinadas condições assumidas com outra parte. O compromisso é com a outra parte, entretanto ele tem origem dentro de cada um a partir de uma convicção individual que livremente nos faz assumir a responsabilidade.
A partir daqui a solidez do compromisso passa pela força de resistir a volatilidade dos sentimentos. Ceder à busca incessante por prazer imediato nos transforma em viciados. Parece duro, porém, o que é senão vício irritar-se quando algo já não me provoca êxtase como na primeira vez? O que é senão dependência quando consumimos redes sociais conscientes de que perdemos nosso tempo e liberdade? O que é senão compulsão quando sabemos que comemos algo ruim, porém o importante é que seja saboroso? Assim, seguimos comendo aromatizantes, conservantes e corantes presentes em grande quantidade naquela explosão de sabores encontrada no fast food pedido. Nessa lógica, podem nos servir um peixe podre, desde que o cheiro e o sabor sejam bons, consumiremos.
Você consegue resistir à ditadura dos sentimentos?
Cada um com as suas escolhas, porém eu acredito que a ditadura dos sentimentos nos afasta dos compromissos assumidos, pois eles exigem esforço, dedicação e amor. Aquela emoção inicial que faz brilhar os nossos olhos está na paixão que pode nos levar ao amor duradouro, mas para isso é preciso compromisso. São os compromissos que fazem um matrimônio perdurar, assim como uma amizade eterna. São os compromissos que mantém a força dos laços de sangue que se comprovam nas relações de pais e filhos, de irmãos, de tios e de sobrinhos.
Quais são os teus compromissos? Mantenha-os, senão terminará comendo peixe podre.
Moacir Rauber
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