Costumo chegar cedo nos meus compromissos. Nas viagens sempre estou no local bem antes do mínimo de tempo exigido para embarcar. Afinal, um usuário de cadeira de rodas, às vezes, demanda de mais tempo. Com isso aproveito para observar os atrasados correndo para ver se ainda conseguem cruzar os portões. Alguns conseguem. Outros não. O desespero toma conta dos infelizes que perdem o voo. Eu observo, penso e julgo, Quem é esse bobalhão correndo? Como é que pode? Se eles sabiam que tinham uma viagem pela frente por que então se atrasam? Por que não se programam um pouco melhor? O pensamento demonstra um julgamento daquilo que observo e a crença de que as pessoas se atrasam porque são desorganizadas.
Na última semana, mais uma vez fui ao aeroporto com mais de duas horas de antecedência para um voo doméstico. Aproveitei para almoçar com o meu amigo Bob. Conversamos muito durante um almoço completamente relaxado. Estávamos terminando de almoçar e o relógio marcava 1h24min. Ah, tenho bastante tempo. Meu voo somente será às 15h. Mesmo assim é hora de ir. Estou no Terminal 1 e o voo será no 4... Na minha agenda havia marcado o horário de embarque. Não sei porque comecei a pensar onde eu estava, para onde eu queria ir, a distância a ser percorrida e o tipo de aeronave. Havia algo estranho. A conta não fechava. O horário de saída e de chegada estavam muito próximos. Resolvi abrir meu computador e olhar a passagem. Não acreditei no que vi. A hora de decolagem seria às 14h, não às 15h. Havia marcado o horário errado na agenda. Fiquei desesperado. O Bob e eu corremos para o ponto de táxi. “Voei” de um terminal a outro. Paguei a mais pela corrida para não esperar o troco. Corri a toda a velocidade que a cadeira de rodas permitia pelo saguão do Terminal 4 em direção ao balcão da companhia aérea. Fila. Todos as posições ocupadas. Agitei meus braços. Consegui a atenção de uma das atendentes. Gritei meu destino. Ela disse:
– Acabou de fechar. Não embarca mais…
– Não é possível. Não é possível… repeti desesperado, abaixando a cabeça.
Havia perdido o voo. Agora eu sentia na pele aquilo que eu via os outros passarem no momento em que se apresentavam alguns minutos atrasados no balcão de embarque. O meu julgamento era sobre aquilo que eu via, não se dava sobre o que realmente havia acontecido.
Um dos clientes que estava na fila me perguntou:
Um dos clientes que estava na fila me perguntou:
– O que aconteceu que você chegou atrasado? Estragou o carro?
Escutei, pensei e fiquei com vergonha de dizer que eu simplesmente me equivocara de horário. Era muita falta de organização. Lembrei de todos os outros dias em que eu simplesmente julgara como desorganizados aqueles que eu via chegarem atrasados. Respondi fazendo um gesto de descaso:
– Deu tudo errado…
E realmente estava dando tudo errado. Eu deveria chegar às 16h na cidade destino, porque teria um compromisso às 19h. Não havia outro voo naquele dia para aquela cidade. O efeito cascata. Quantas pessoas seriam atingidas direta e indiretamente pela minha desorganização. Ao não cumprir o horário do primeiro compromisso, o embarque, deixaria de cumprir o segundo compromisso. Ao não atender o segundo compromisso criaria problemas para um grupo de pessoas que haviam me contratado para o evento que haviam organizado. Seria uma frustração moral, além dos prejuízos financeiros que também estariam envolvidos. Toda a campanha de divulgação do evento. O aluguel do auditório. A devolução dos ingressos ou a remarcação para outra data. Era uma situação terrível. Mas o que fazer? O que estaria ao meu alcance fazer naquele momento? Nada…
Tudo isso passava pela minha cabeça, quando novamente olhei para a atendente e a vi falando com alguém no comunicador. Ela desligou e olhou para mim:
– Se nós chegarmos até lá em dez minutos eles te embarcam.
Uma luz no final do túnel. Disse:
– Então vamos…
– Você já fez o check in? Ela perguntou.
– Sim, mas ainda não despachei as malas…
– Não vamos fazê-lo. Vamos despachá-las na aeronave. Siga-me… disse ela e saiu correndo.
Corri atrás dela. Logo estava na frente. Furei a fila de embarque. Pedi desculpas. Esbarrei em pessoas. Desculpei-me de novo. Corri feito um louco. Passei pela alfândega. Cheguei no portão. Embarquei. Fecharam-se as portas do avião. Relaxei e quase fui as lágrimas pela emoção de ter conseguido viajar.
Foi então que me dei conta de quão injustos sempre foram os meus julgamentos. Como poderia eu julgar sem saber o que realmente acontecera com as pessoas que chegavam atrasadas ou em cima da hora? Era o meu preconceito. O meu motivo fora realmente fútil. Desorganização pura. Mas e para os outros que eu sempre observara e julgara? O que realmente acontecera? Não tinha a mínima ideia. E quem era eu para julgá-los?
Nesse momento também coloquei-me no lugar das outras pessoas que naquele dia estavam com antecedência no aeroporto. Caso algum deles tenha me observado correndo desesperado pelo saguão do aeroporto pode ter pensado, Mas quem é esse bobalhão em cadeira de rodas correndo de um lado para o outro? Naquele dia o bobalhão era eu.