Saímos rapidamente de produtos duradouros para os produtos descartáveis. Há poucos anos se faziam produtos para uma vida ou para várias gerações. Hoje os produtos são feitos para um uso. Tudo nos parece mais simples quando se pode usar e jogar fora. Um copo em que se toma um gole de café vai para o lixo. Uma sacola em que se levam produtos uma só vez é posta fora. Uma embalagem que tem dez vezes mais material do que o produto não serve para mais nada. E assim criamos carros, geladeiras e lâmpadas descartáveis. E pior. Também criamos as relações descartáveis. Muito mais fácil do que manter os colaboradores por toda uma vida na organização é trocá-los por novos. Muito mais fácil do que manter uma amizade por toda a vida é fazer novas. Muito mais fácil do que manter uma relação conjugal por toda a vida é sair da primeira, para a segunda, terceira e assim até que a morte nos leve. A diferença entre os produtos e as relações descartáveis é a tendência. Enquanto para os produtos já tomamos consciência de que o descartável não é a solução, nas relações a tendência é de que o descartável seja a melhor opção.
As pessoas e, consequentemente, as organizações começaram a tomar consciência de que lixo é um conceito equivocado ao se tratar de produtos. Não há como jogar fora. Posso até jogar fora da minha vista, mas aquilo que entendemos como lixo ainda estará nos lixeiros, nos containers, nos lixões, nos lençóis freáticos, nos rios, nos mares e no planeta. Por isso, é mais inteligente criar produtos duráveis e reutilizáveis, porque não há como torná-los descartáveis. Eles sempre estarão conosco. Assim, já começamos a repensar a cadeia produtiva para que os nossos produtos sejam duráveis e reaproveitáveis. Por outro lado, parece-me que a tendência naquilo que se refere às relações ainda está no caminho oposto. Estamos nos lambuzando na descartabilidade das relações. As organizações demitem e dispensam como se isso fosse a solução para os problemas organizacionais. Elas investem pouco para que os colaboradores realmente possam colaborar. O engraçado é que não há organização sem pessoas e mesmo aquelas pessoas que decidem quem é descartável um dia também o serão. Da mesma forma, a tão falada mobilidade faz com que o mundo fique pequeno e as pessoas migrem pelo planeta com extrema facilidade. Com isso, as amizades são trocadas com o poder do add e do delete. Para que manter os amigos de infância? Descarte-os! O mesmo se aplica nas relações conjugais. Por que investir tempo, explorar as emoções e os sentimentos que poderiam ser preservados e resgatados numa crise se é muito mais fácil encerrar e partir para outro? Principalmente quando se pode exibir aquilo que era um fracasso moral como um caso de sucesso. Percebe-se claramente nos círculos de amigos como as pessoas se orgulham de terem saído de uma relação para estar em outra. Não há compromisso. Não há a luta pelo amor. Há simplesmente a noção de que tudo é descartável. E não se trata de se manter numa relação tóxica em que ambos se prejudicam. Não é uma questão dogmática de “até que a morte os separe”. Trata-se de usar o discernimento presente em quem acredita nas pessoas para construir relações duradouras demonstrando que realmente somos humanos. E parece-me que ainda há muito caminho pela frente até que se entenda que manter pode ser tão ou mais inteligente do que descartar.
Descarte as pessoas e siga em frente. É isso possível? Há um lixeiro humano? Acredito que cabe às pessoas entenderem que enfrentar o que poderia ser um fracasso é uma forma de crescimento. Precisa-se de luta, de vontade, de coragem e de persistência para manter. Descartar qualquer fracassado pode. Entendo que assim como não há um lixeiro para descartar os resíduos do nosso modelo de consumo, também não há um lixeiro humano para descartar os resíduos das nossas relações. As relações estão dentro de nós e não há como jogá-las fora. Tolerar, reconstruir, religar e perdoar são comportamentos mais humanos e inteligentes que podem transformar as nossas relações em verdadeiras lições de amor e respeito, duradouras.