Cadeira de rodas e viagem, às vezes, não é uma combinação muito boa. Uso a minha há mais de trinta anos. Foram muitas viagens e nem todos os lugares foram acessíveis, mas quase todas as pessoas são sensíveis. Na última viagem que fiz tive uma surpresa. Quando era chegada a minha vez de desembarcar, ao me acomodar na minha cadeira de rodas, logo sinto que um dos pneus estava furado. Que droga… pensei. O que faço agora? Chegar noutro país, cidade desconhecida, sozinho e numa cadeira de rodas com o pneu furado não era nada bom. Conseguir um pneu para a minha cadeira de rodas seria um grande desafio. Antes, porém, dirigi-me aos achados e perdidos para registrar a minha reclamação. Não deixaria o ocorrido sem registrar, porque as malas e bagagens despachadas nos voos são muito maltratadas. Fui atendido por um senhor com cara de poucos amigos:
– Qual é a sua reclamação?
– Gostaria de informar que a minha cadeira está com um pneu furado.
Sem me olhar ele me instruiu para preencher um formulário e depois passou a me perguntar o ano, a marca e quanto eu havia pago na cadeira. Em seguida, ele perguntou:
– O senhor tem a Nota Fiscal da cadeira?
A pergunta me pareceu tão sem cabimento que gaguejei, mas respondi que não a tinha comigo, porque já havia comprado a cadeira de rodas há mais de dez anos.
– Pois deveria tê-la consigo, disse-me o funcionário sem levantar os olhos.
Respirei fundo e não disse nada. Esperei mais alguns segundos. Ele perguntou:
– O que aconteceu com o seu pneu? Olhando-me, finalmente.
Mostrei-lhe o corte no pneu.
Ele retrucou:
– Pois é, mas as empresas não saem com um estilete por aí cortando os pneus das cadeiras de rodas… dando um sorriso meio irônico.
Foi a gota d’água. A má vontade e as perguntas descabidas haviam extrapolado qualquer noção de bom senso. Num tom de voz forte e indignado respondi:
– Então o senhor está dizendo que eu cortei o pneu enquanto ela estava no porão do avião? Ou que eu embarquei com o pneu furado?
Ele permaneceu em silêncio, porém com uma expressão um pouco desorientada pelas minhas colocações. Eu era um estrangeiro e ele um cidadão no seu país. Continuei:
– O Senhor já perguntou se eu trouxe a NF da cadeira comigo, como se cada cidadão fosse obrigado a carregar as NFs dos sapatos e das calças.
Silêncio. Por fim, perguntei:
– Desculpe-me, mas o senhor está aqui para resolver ou para criar problemas?
Acredito que cada um, dentro da sua função, deva ser parte da solução dos problemas e não parte deles. Na situação descrita, o problema estava comigo. O papel daquele funcionário não era contestar a minha versão, mas orientar para que o problema pudesse ser sanado, assim como quando atuamos como vendedores, farmacêuticos, enfermeiros, contador ou qualquer outra profissão. Afinal, ninguém está contra ninguém, todos estamos do mesmo lado.
O papel do profissional deve servir para resolver o problema do outro, senão por que ele está lá?
Moacir Rauber
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