Moacir Rauber
Tudo pronto! O teatro está lotado. Os parceiros divulgaram o evento, a associação comercial vendeu os ingressos e as pessoas compareceram. O som foi testado e todo o equipamento também foi revisado. A apresentação foi ensaiada. Está tudo realmente ok! O mestre do cerimonial já anuncia a palestra que vai anteceder o lançamento do livro. É na minha cidade natal. Conheço um grande número das das pessoas que estão na platéia e que de uma ou de outra forma fazem parte da minha história. Um momento marcante em que nada pode dar errado. Por isso que tudo foi conferido e reconferido nos mínimos detalhes. Enquanto é feita a apresentação dos parceiros e apoiadores do evento a ansiedade cresce, o frio na barriga espalha-se por todo o corpo. Finalmente a palavra me é passada e já não há mais nada que eu possa fazer, a não ser aquilo que se espera que eu faça: a palestra de lançamento do livro Olhe mais uma vez! Em cada situação novas oportunidades. Agradeço a apresentação e a presença de todos. Contextualizo a platéia sobre o programa da noite e em seguida inicio o conteúdo. Logo na sequência procuro quebrar o gelo com uma anedota encadeada ao tema e tudo passa a correr conforme o planejado. As palavras fluem. A interação com o público é boa. Falo sobre a importância do conhecimento nas nossas vidas, ressaltando, entretanto que se vive uma época de emburrecimento individual. Não mais dominamos o ciclo completo dos fatos e cada vez mais dependemos do conhecimento que se encontra em outras cabeças e, principalmente, nos equipamentos tecnológicos. Rapidamente avanço sobre questões como iniciativa, criatividade e flexibilidade, que compõem o quadro da palestra, também presente no livro. A relevância de saber viver em comunidade, uma vez que não se vive ilhado, assim como a importância de saber reagir frente a situações inesperadas. Em seguida discorro sobre os sonhos. Além de toda a argumentação em torno dos sonhos e de como eles influenciam nossas vidas, naquele momento eu estava realizando mais um sonho. Comecei a enfatizar que cada sonho tem o seu preço e que nós estaremos tão mais dispostos a pagar mais pela sua realização quanto maior for o valor que cada sonho representa. Quanto vale um sonho para você? E para demonstrar que o sonho sobre o qual eu estava falando e que havia alcançado teve um preço a ser pago, anunciei: Agora vou mostrar um vídeo de dois minutos em que vocês poderão ver parte do preço que paguei para a realização do sonho. Nada disso que até agora mostrei veio de graça. Houve um preço e eu o paguei! Viro-me para o telão e clico no controle para iniciar a projeção do vídeo quando tudo escurece. A luz dá uma piscadela e o telão reaparece com a imagem: No signal. O espetáculo que deveria começar desmorona diante de meus olhos. O vídeo seria um dos pontos altos da palestra, pois expressava o quanto havia pago em termos de sacrifício para a realização do meu sonho. A noite estava se tornando um pesadelo. O meu cérebro entrou em choque. Pensei comigo mesmo: Não, isso não pode estar acontecendo comigo! Era a incredulidade que sempre nos acomete quando situações que parecem impossíveis nos acontecem, sejam elas positivas ou negativas. A incredulidade traduz-se em negação. Mesmo aquele sujeito que acerta as seis dezenas da megasena automaticamente reage com um Eu não acredito!, que em seguida é acompanhada pela sensação de euforia, entre outros sentimentos positivos. Já no meu caso, mesmo não acreditando a situação era real. A incredulidade vinha acompanhada por todas as sensações ruins. Apesar de haver revisado e testado todos os equipamentos no momento em que mais os precisava eles estavam falhando. O pânico tomava conta de mim por dentro. Olhei para o operador do computador que abanava a cabeça negativamente dizendo que não estava entendendo o que acontecia. Olhei para o promotor do evento em busca de apoio. Olhei para a platéia que se movia nervosamente nas cadeiras percebendo a minha aflição. Frente a mim mais de setecentas pessoas. O que é que eu faço? Pensava comigo mesmo. Apesar da incredulidade, que se confirmava na realidade, hoje posso claramente ver que as reações iniciais me empurravam para a busca de uma alternativa. Merda!, foi o que me veio a cabeça, embora não pudesse praguejar, porque o microfone estava funcionando. Mentalmente continuei insultando a Deus, ao diabo e ao mundo. Olhe mais uma vez! Em cada situação novas oportunidades, pensava. Onde estão as oportunidades que eu mesmo digo que existem em cada situação? Apesar de todos os problemas externos e da turbulência interna mantive o controle e procurava a alternativa. Evidentemente que nós podemos escolher as negativas ou positivas. Negativamente, frente a um problema inesperado, podemos reagir lutando contra aquilo que não tem solução. Poderia bater no computador, xingar o operador, ter um xilique, enfim uma série de comportamentos de quem quer sustentar o que é insustentável. O cérebro trabalhando a mil por hora, acompanhado por um sorriso amarelo no rosto. Não, de nada adiantaria ter um xilique! Busquei manter contato com o público, por meio de uma brincadeira para minimizar a situação e camuflar o meu estado de choque. Ainda nas situações negativas algumas pessoas ficam passivas, fogem ou se ocultam na ilusão de que nada está acontecendo frente as dificuldades. Essas reações, além de não resolverem nada normalmente agravam o problema. Embora saiba-se muito bem que boa parte de nossos problemas são muito mais imaginários do que reais, ali a situação constrangedora não tinha absolutamente nada de aparente.
Por outro lado, podemos buscar alternativas pela vertente positiva quando nos ocorre algo tão imprevisível como o que me ocorrera naqule momento. Deve-se avaliar a situação para saber até que ponto vai a gravidade da dificuldade. Relembrando a situação, mesmo enquanto mentalmente insultei a tudo e a todos, meu cérebro estava procurando a solução, Vai demorar demais até que se reinicie o computador e se consiga voltar ao ponto… Fiz alguma graça com o ocorrido e disse que os havia alertado no início da palestra, quando falei do nosso emburrecimento e da nossa atual dependência tencológica. Nessa vertente a segunda possibilidade é expor com franqueza e foi o que fiz quando expus o pretendido, mas que iria continuar a palestra sem os recursos de imagem e de som que esperava que produzissem um grande impacto no público. Era a única oportunidade que me ocorria no momento, pois buscava a cooperação da platéia para a minimização do embaraço que a situação havia provocado. Entretanto, a incredulidade ainda pairava em meus olhos e na minha expressão. Eu precisava reagir. Forçosamente o show não poderia parar. Retomei o assunto e destaquei aquilo pelo que estava passando naquele momento, explorando alguns pontos sobre como nós reagimos frente a situações para as quais não estamos preparados. Em seguida, como já havia dito, voltei ao tema da palestra, uma vez que eu a conhecia de cabo a rabo. Não necessitava das muletas tencológicas. Avancei nos tópicos que ainda faltavam, enquanto esperava que o operador conseguisse fazer com que os equipamentos voltassem a funcionar. Eu estava mortificado, mas continuei como se nada tivesse acontecido. Depois de mais de vinte minutos, finalmente, pude exibir o vídeo e terminar a palestra conforme o inicialmente programado.
Esse fato continuou me incomodando por muito tempo. Apesar de não ter interrompido a palestra e de não ter dado mostras de que o ocorrido houvesse me perturbado, por um longo período eu sempre pensava sobre o tema. Mesmo sabendo que a principal tese defendida desde o título da palestra e do livro era a de que se deve deitar um novo olhar sobre todas as situações, inclusive nas aparentemente mais difíceis, e ver nelas oportunidades, não conseguia me conformar. Considerava que não havia reagido o suficientemente bem. Havia me deixado levar pelo constrangimento da situação, apesar das afirmativas contrárias dos presentes ao final do evento. Lembrava-me do título do livro e da palestra Olhe mais uma vez! Em cada situação novas oportunidades e me perguntava: como não consegui ver oportunidades naquele momento? ainda me mortificava aquela situação sobre a qual já não tinha mais nada a fazer. Logo eu que sempre afirmava que se um problema não tem solução, solucionado está. Depois de tanto pensar sobre a situação e de como eu poderia ter mais bem reagido, finalmente cheguei a um consenso interno. Sobre aquele fato realmente eu nada mais poderia fazer, são águas passadas. Entretanto, eu poderia explorá-lo melhor nas próximas oportunidades. Foi assim que passei a inserir em minhas palestras uma tela de power point com a imagem de fundo No signal! Sigo o mesmo roteiro, crio toda a expectativa em torno do vídeo que me preparo para apresentar e na hora “H” entra a tela de “sem sinal”, indicando que não há comunicação entre o computador e o projetor. Isso aparentemente. Faço todo o teatro que a situação requer. Jogo a questão para a platéia e pergunto o que cada um faria naquela situação. Interajo com o público, brinco e vejo as diferentes reações das pessoas frente ao inesperado, para depois explicar que é apenas uma brincadeira. Exibo o vídeo e termino a palestra.