Desce, Vagabundo!!!

Moacir Rauber

Olhe & Ouça!

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Descrever a cena vivida numa abordagem policial sofrida hoje é engraçado. Naquela noite não foi. Havíamos terminado nosso treino de basquete sobre rodas por volta das 22h30, como todas as quintas-feiras. Saímos do ginásio e fomos até um bar tomar a nossa gelada. Nessas saídas somente ía a nata, o que de “melhor” havia na equipe. Estavam presentes o Luiz, o Rafa, o Ramiro e eu. Ficamos até à meia-noite e depois resolvemos ir para casa. O Luiz morava ao lado do bar. Foi a pé, com sua muleta canadense. O Ramiro morava na Barra da Lagoa e tinha seu carro adaptado. Foi sozinho. O Rafa usava uma bengalinha e morava no bairro de Monte Verde. O Jucélio, assim como eu, era cadeirante e morava no Pantanal. Para os dois últimos eu já oferecera carona. Para muitos ver um cadeirante entrar num carro é uma cena que chama a atenção. Dois é uma festa. Três, então, é um circo… Eu entrei, desmontei a minha cadeira e a carreguei no banco traseiro, como sempre faço quando saio sozinho. Os curiosos do bar de olho. O Jucélio entrou no lado do caroneiro e um dos rapazes do bar pôs a sua cadeira no porta-malas. O Rafa, com sua bengala na mão direita, moveu-se lentamente e sentou no banco traseiro. 

Em seguida a “tenda” partiu em direção a casa do Rafa, que seria o primeiro a descer. Passamos por trás do Floripa Shopping, seguimos mais algumas quadras e subimos em direção ao morro onde ficava a casa do Rafa. Ele desceu, nos despedimos e voltei para a rua principal do bairro. Andando bem devagar, lembrando que havia bebido umas cervejas e estava dirigindo. Trafegava na pista da direita, tranquilamente, quando vejo vindo em nossa direção um carro a toda velocidade. Passou zunindo. Comentei com o Jucélio, Esse deve estar travado. Só pode ser piazada… Ainda pudemos vê-lo dobrar justamente na rua que dava acesso a casa do Rafa. Nós seguimos nosso caminho. Andamos por mais umas sete ou oito quadras e vimos outro carro se aproximando rapidamente. Afastei-me o máximo que pude do centro da pista. Estava quase colado ao meio fio da calçada. O carro em sentido contrário com farol alto. Eu diminuí ainda mais a velocidade. O carro parecia que estava vindo diretamente para cima de mim. Comecei a ficar assutado e comentei, Que negócio estranho… O Jucélio disse, É um assalto!!! Nisso o carro atravessou na nossa frente impedindo que continuássemos o caminho. Tive que parar. Do carro atravessado em nossa frente desembarcou um grupo de homens armados com espingardas e metralhadoras. Foi então que identificamos que se tratava de um carro de polícia, embora não estivesse com as luzes giroflex ligadas. Rapidamente eles se aproximaram da minha janela e também da do caroneiro, apontando um fortíssimo farolete diretamente em nossos olhos e as armas para as nossas cabeças, gritando, Baixa o vidro. Baixa o vidro. Desce, vagabundo, desce! Deixe as mãos levantadas… Eu estava assustadíssimo, além de meio ofuscado pela força da luz nos olhos. Como eu iria dizer-lhe que não podia descer, porque não podia caminhar, pois eu era um cadeirante? O que um cadeirante estaria fazendo por aí nessa hora da noite? Um não, dois… Para mim normal, mas para a maioria das pessoas não. E isso incluía aos policiais. Eles não acreditariam e facilmente poderiam nos dar um tiro. Mesmo assim, ainda com o vidro fechado, disse para o Jucélio, Calma, calma. Levanta as mãos! Depois movi minhas mãos lentamente para o controle dos vidros e os baixei. Sempre mostrando as mãos eu sinalizei com o dedo indicador um adesivo de cadeirante que estava colado na parte inferior do parabrisa no lado do motorista. Vi que o policial ficou um pouco confuso. Eu aproveitei para dizer, Olha, eu sou um cadeirante. Não posso descer do carro sem pegar minha cadeira de rodas que está no banco traseiro…. O policial indagou, Cadeirante? O que você está fazendo aqui? Sim, eu respondi, meu amigo também é cadeirante. A cadeira dele está no portamalas. Nós fomos deixar em casa um amigo nosso… Ele interrompeu, O que? Como assim? Dois cadeirantes? Deixe-me ver os documentos…. Com muitos cuidado peguei os documentos do carro que estavam no console central. Com mais cuidado ainda peguei os documentos pessoais que estavam no bolso da calça. O policial olhou-os com o auxílio do farolete. O que está acontecendo? Eu perguntei. O policial não respondeu para mim, mas falou com os demais, Não é o nosso homem. Vamos embora. Depois falando conosco ele disse, Houve um assalto. Estamos atrás de um carro igual a esse. Vocês viram alguém passando por essa rua? Sim, respondi, dobrou à direita na rua logo após ao colégio. O policial respondeu, Obrigado! E vocês, vê se vão pra casa… E saiu correndo. 

Nós ficamos ali parados por um tempinho sem dizer nada, em completo estado de choque. Paralisados psicológica e fisicamente. Sempre havia ouvido dizer que muitas pessoas ficam paraplégicas após um acidente muito mais pelo trauma psicológico do que pelo físico e que poderiam retomar os movimentos quando expostos a um novo baque. Eu, lá no meu íntimo, sempre carregava a esperança de que um dia acordaria e voltaria a andar como se nada tivesse acontecido. Ou mesmo que frente a uma necessidade de reação em uma situação urgente tudo voltaria a ser como era antes. Depois daquela abordagem policial sofrida, qualquer possibilidade de que eu não andasse por um trauma psicológico foi eliminada, porque se eu precisasse de um choque para voltar a andar ele foi dado. 

Naquele dia, como nos outros, não caminhei. Mas naquele dia, diferente dos outros, borrei-me todo hehehe.

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