Sai da frente, ô boca aberta!!!

Moacir Rauber
Os textos que tenho escrito até aqui tem mostrado parte do meu comportamento frente a diversas situações, principalmente as adversas. Quase todas mostram um sujeito centrado, que consegue manter o equilíbrio e o autocontrole, fazendo com que fatos complicados pareçam, até certo ponto, simples. Fica parecendo que um usuário de cadeira de rodas, neste caso eu, seja um super-homem no quesito de controlar as ações resultantes das emoções surgidas no calor de situações que, muitas vezes, fogem ao nosso controle. Entretanto, tenho que revelar que o buraco é mais embaixo. Muito mais embaixo. Na verdade o autocontrole apresentado nem sempre é verdadeiro… Isso ficou evidente numa questão pontual de trânsito. Sou motorista. Dirigi e dirijo em cidades, rodovias, picadas, estradas rurais ou qualquer outro lugar como qualquer um. Pensei que conseguia controlar a transformação que acomete a tantos motoristas o simples fato de entrar num carro e sentar-se atrás do volante. Muitos deles sentem-se o máximo, os donos do poder. Grande engano…

Outro dia estava dirigindo pelas ruas da cidade onde moro. Sabia exatamente onde queria ir. Tudo tranquilo. Passei em frente a um local onde há uma vaga exclusiva para pessoas com deficiência física. Estava ocupada. E, provavelmente, o dono do carro a usava de forma irregular. Esse julgamento me veio a cabeça porque o carro não estava identificado e se tratava de uma camioneta. Segui em frente agora meio irritado, pensando besteiras, tipo, Deveria dar uma lição nesse cara… Mas eu estava em cima da hora, quase atrasado para o meu compromisso. Não tem jeito. Terei que deixar o carro na garagem e pagar estacionamento. Que porcaria! Pensei… Minhas emoções já haviam mudado. O sujeito tranquilo já não estava mais atrás do volante. Mesmo assim, segui a velocidade do trânsito e continuava conversando com minha esposa. Parei num semáforo na pista da esquerda, pois teria que dobrar na esquina. Liguei a seta e fiquei esperando. Olho no retrovisor. Vejo alguém chegando e freando bem próximo à traseira do meu carro. Pelo retrovisor identifico uma mulher com um olhar atarantado. Eu a vi e também vi que ela me vira. Os olhares se cruzaram e o sentimento não foi boa coisa. O sinal abriu, eu arranquei e dobrei à esquerda. Ela também arrancou e quase avançou sobre mim. Logo após virar à esquina a garagem também ficava à esquerda. Assim, a seta do carro mal havia desligado, tornei a ligá-la para poder entrar no estacionamento. A mulher colada na minha traseira. Não pude entrar imediatamente no estacionamento porque vinham pedestres pela calçada. Tive que parar para esperar. A mulher quase bateu na traseira. Pelo retrovisor eu a vi gesticulando. Olhar transtornado. Ela deu marcha a ré. Começou a gritar. A irritação minha também subiu. Vendo que ela me via fiz um sinal nas têmporas indagando se ela era maluca. Ela arrancou e parou ao lado do meu carro e gritou, Sai da frente, ô boca aberta! Aquilo foi a gota d’água… Puxei o freio de mão. Peguei um porrete que estava ao lado do assento do motorista, desci do carro e avancei até aquela senhora. Golpeei o vidro partindo-o em mil pedaços. Puxei-a pelo colarinho e berrei, Quem a senhora pensa que é? Não está vendo que eu quero entrar no estacionamento? Não está vendo que tem pedestres na calçada? Dei-lhe um soco na cara arrebentado-lhe o nariz. Ao ver o sangue escorrendo voltei a mim… Na verdade não desci do carro, mas apenas porque não pude. Após o grito em que ela me chamou de “boca aberta” somente pude vê-la desaparecer numa velocidade superior a permitida naquele local. Fiquei lieralmente de boca aberta e pensei, Ainda bem que não posso caminhar, porque senão realmente teria feito isso.

Fui protegido pela minha deficiência. Mas o meu monstro interno estava ofegante. Carreguei-o durante vários dias. Volta e meia lembrava do semblante daquela mulher que ainda provocava-me irritação.

Por isso, parabéns a todos os motoristas caminhantes educados!!!

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