Sempre que precisar…

Ontem aconteceu um momento muito especial nesta minha ainda curta carreira de palestrante: um evento para pessoas que trabalham com pessoas com as quais não queremos mais viver. Como assim? É, tive a oportunidade de fazer uma palestra para pessoas que trabalham em unidades prisionais. Estiveram presentes agentes penitenciários, vigilantes, psicólogos, advogados, assistentes sociais, professores, voluntários e também a diretora de uma unidade prisional. Como falar de motivação e superação para quem trabalha com infratores?
Na verdade o simples exercício de atividade profissional em ambiente prisional é um exemplo real de aplicação de todos os conceitos e exemplos que se poderiam usar para descrever motivação e superação. Trabalhar num ambiente em que circulam aqueles que nós não queremos conosco requer muitas das competências esperadas para os profissionais do século 21. Há que se ser resiliente, porque a pressão é contínua. Há que se ter iniciativa, porque o inesperado é uma constante. Há que se saber trabalhar em equipe e ter desempenho, porque a própria vida pode estar em jogo. Certamente que existem problemas de relacionamento, de ambiente, de condições de trabalho, entre outras dificuldades inerentes à qualquer organização que se proponha a existir. Abordaria isso também, mas a principal ideia seria a de resgatar a importância do trabalho daqueles que trabalham em unidades prisionais, apesar da não valorização por nós, restante da sociedade.
Antes de iniciar o evento me perguntava: será que eles sabem da importância do próprio trabalho? Será que eles se dão conta da beleza do trabalho de evitar que crimes sejam cometidos? Talvez soubessem, mas me propus a realimentá-los com isso. Fiz questão de destacar a importância do trabalho e do propósito grandioso ao se dedicar a trabalhar com um público tão difícil. Cada apenado que não está nas ruas, potencialmente, deixa de cometer crimes. Você eu vivemos melhor por isso. Cada apenado que cumpre a sua pena e é ressocializado é um benefício para você e para mim. Essas são informações que não são divulgadas e não aparecem nas estatísticas. Ao considerar somente as estatísticas brasileiras divulgadas nós estamos entre os países mais violentos do mundo, com aproximadamente 26,5 homicídios por cada grupo de 100 mil habitantes; as estatísticas também mostram que de cada 100 apenados que cumpriram suas penas 70 retornam ao crime; e os noticiários mostram, constantemente, casos de corrupção no sistema penitenciário. Como esses dados são revelados, muitas vezes, parece que a culpa toda é do sistema prisional. Sabemos que não é. Eles trabalham com o resultado das nossas falhas como sociedade. O sistema prisional não é a causa. Ainda mais. As estatísticas e as notícias são dadas como se aquilo que ocorre no ambiente prisional fosse algo diferente da realidade em outros ambientes, o que também não é verdade. Assim como no ambiente político e profissional de qualquer área os trabalhadores do sistema prisional são um extrato da sociedade. Nem melhores, nem piores, apenas num ambiente diferente do qual nós queremos distância. Reforçando, o que as estatísticas não mostram e os noticiários não imaginam nem comentam são os crimes que deixam de ser cometidos porque infratores estão detidos e estão sob os cuidados de todos aqueles que trabalham no sistema prisional. Sobre isso pouco se fala.
Assim, o que me propus a fazer foi resgatar a importância do trabalho de quem trabalha no sistema prisional e, principalmente, agradecer. Agradeci por mim e por outras pessoas que concordam com esse ponto de vista. Esse foi o foco, porque dificilmente se vê alguém indo a uma penitenciária para parabenizar as pessoas que ali trabalham e cumprem o seu papel. Agradecer pelo trabalho que já fazem, apesar da nossa (sociedade) ausência. Gratidão por cada crime que não foi cometido porque ele estão lá, dia após dia, dedicando-se e colocando a própria vida em risco pela nossa (sociedade) omissão. Assim, a única coisa a ser feita por mim era dizer, Muito obrigado!
E foi uma noite incrível. Apesar de no início eu estar um pouco tenso pela responsabilidade de falar com um grupo tão especial, ao final do evento o ambiente estava completamente descontraído. Fotos. Conversa com um e com outro. Trocas de impressões e experiências. Um aprendizado real, pelo menos para mim. 
Na hora da despedida, por último, falei com a diretora, que disse:
Muito obrigado, Moacir, ficamos muitos felizes com a tua vinda. Sempre que precisar estamos à disposição…
No final da frase ela deu um sorriso meio maroto. Não me dei conta e respondi, sinceramente:
Não precisa agradecer. Se eu precisar…
Interrompi a fala. Logo o silêncio foi preenchido pela diretora, que com um grande sorriso, disse:

Espero que não precise.

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