Cidadão ou empreendedor?

Outro dia estive num evento organizado pela CLDS de Braga com foco no empreendedorismo e cidadania. Mais do que isso, falava-se do empreendedorismo social e individual, não necessariamente com o foco empresarial. Estavam presentes representantes de algumas organizações que se dedicam ao trabalho de inclusão social e diminuição das influências negativas dos preconceitos. Também participavam pessoas consideradas com deficiência. Tinha a intenção de falar sobre o tema e de destacar que para ser empreendedor não necessariamente se precisa sonhar alto ou realizar grandes feitos. No meu ponto de vista, ser empreendedor é ter a motivação para se fazer as atividades ordinárias que produzem resultados extraordinários no conjunto da obra. Para mim, isso é superação. Fui até o evento com a missão de falar sobre o tema. Saí de lá com uma aula de empreendedorismo e cidadania. Um dos participantes demonstrou uma sabedoria tocante.

Iniciei questionando se havia um pre-requisito para que alguém seja um cidadão. Perguntei: para ser considerado cidadão é preciso que se tenham determinadas características físicas, como não ser muito gordo, nem ser muito magro; não ser muito alto, nem ser muito baixo; nem ter cabelos longos, nem ter a cabeça raspada? Para que sejamos cidadãos é preciso que se tenham determinadas características físicas? Não, respondeu a maioria. Fiz outra pergunta e a dirigi para alguns presentes:
Você se considera um cidadão?

Todos responderam que sim. Enquanto as pessoas respondiam, vi a inquietação de um participante, um jovem com deficiência intelectual. Ele timidamente levantou a mão e pediu para fazer uma pergunta. Passei-lhe a palavra. Vi-o um pouco mais agitado por trás das grossas lentes de seus óculos, mas ele não titubeou:
– Mas o que é ser cidadão?

Uau!, pensei. A pergunta parecia tão simples, mas era a pergunta a ser respondida. Por isso, não há pergunta tola, há pergunta não feita. Como você vai saber se é um cidadão se não sabe o que é ser um cidadão? Pedi ajuda para alguns integrantes da plateia que rapidamente disseram que é a pessoa que integra uma sociedade e exerce os seus direitos civis e políticos com liberdade. Cidadão é a parte individual da sociedade. Agora aquelas perguntas anteriores faziam muito mais sentido. Sim, somos todos integrantes de uma sociedade e temos nossos direitos e obrigações e não há nenhuma precondição física para que se seja um cidadão. Entretanto, a realidade é diferente. Para que se possa ser um cidadão e desfrutar da sociedade ainda há que se ter determinadas características físicas, sim. Quem não estiver dentro do que se entende como padrão terá dificuldades que não deveria ter. Inclusive, a partir da pergunta feita, pode-se questionar o próprio conceito de pessoa com deficiência. Se não há precondição para que se seja um cidadão, então não poderia haver cidadãos com deficiência, certo? A deficiência está na sociedade que não consegue atender as necessidades dos seus cidadãos, ainda que alguns deles tenham uma limitação física que lhes diminua a mobilidade, por exemplo. Quem me conhece sabe que não há nenhum ressentimento ou atribuição de culpa a outrem naquilo que escrevo aqui, mas simplesmente a intenção de lançar algumas questões sobre o tema. Considerando tudo isso, como ser cidadão e empreendedor individual nessas condições?

O participante que fez a pergunta respondeu com o seu exemplo e a sua demonstração de como ser empreendedor traçando objetivos que são desafiantes e alcançáveis. Enquanto a maioria reclama das dificuldades para se aprender um novo idioma, inclusive eu, aquele participante aprendeu inglês de forma autodidata. E ele é considerado uma pessoa com deficiência. Enquanto a maioria não desenvolve novas habilidades por medo ou vergonha de se expor, o participante considerado com deficiência aprendeu a cantar maravilhosamente e desenvolveu um senso artístico aguçadíssimo. Estranho, não é? O participante citado, na minha opinião, é um empreendedor nato, porque manteve o foco nas suas possibilidades, foi lá e fez. Aprendeu. Transformou-se e transformou. Ele, provavelmente, aprendeu e se desenvolveu muito mais do que aqueles que admiramos como exemplos de empreendedorismo, principalmente se considerarmos o ponto de partida, as suas dificuldades e até onde ele chegou. É isso que importa. Por isso, ser empreendedor é viver o dia de uma forma que lhe permita terminá-lo, encostar a cabeça no travesseiro e estar de bem consigo ao entender que o dia foi vivido em sua plenitude. Esse participante é um empreendedor individual que não viu limitações, mas sim oportunidades. Teve as suas motivações, soube geri-las e seguir em frente. Fez todas as atividades ordinárias e colheu resultados extraordinários. É a superação, fruto da motivação, que gera o empreendedorismo e cria cidadãos. Ele é também o exemplo de ser cidadão!

Empreendedorismo, motivação e superação numa sociedade que, paulatinamente, está deixando de ser deficiente ao atender todos os cidadãos.


Meus sinceros agradecimentos à Alexandra Lima e Joana Canedo pelo convite
CLDS Braga.

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