Um presente de aniversário

Cada um se dá o presente de aniversário que quiser. Escolhi o meu. Para alguns, loucura. Para mim, um desafio. O que ganho com o presente? Aparentemente nada, mas também pode ser tudo. Afinal, qual é o presente? Tenho por hábito fazer aproximadamente 6km diários de remo ergômetro, um aparelho simulador de remo. É um exercício completo que exige disciplina e determinação, uma vez que ele é repetitivo e cansativo. Como presente de aniversário este ano resolvi dar-me o exercício diário multiplicado por quatro. Ao invés de fazer 6km faria 24,5km. 

Presente estranho? Sei lá. Tem gente que se dá um relógio, mas não sabe gerir o tempo. Tem gente que se dá férias, mas não desliga. Tem gente que se dá um carro, mas não tem necessidade. Também pode parecer estranho, não pode? Cada um com as suas escolhas…
Veja o vídeo:

Por que quatro vezes mais? Nenhuma razão em especial, mas queria que fosse suficientemente duro para ser um desafio sem contudo ser impossível. Resta saber se foi possível…

Depois de ter parado o exercício pude rememorar o caminho percorrido. Cada etapa um desafio. O positivo podendo ser negativo e o negativo podendo ser positivo. Depende da perspectiva de cada um. Gravei o vídeo até o momento em que parei de remar. Ao olhar o vídeo vieram-me as lembranças que me fizeram entender o que havia acontecido. Das lembranças fiz algumas inferências que podem ser aplicadas a quase todas as situações que se vive, pelo menos a partir do meu ponto de vista. Identifiquei algumas fases que poderia encontrar em qualquer outro projeto no qual já tenha me envolvido. Pude fazer ilações com projetos bem sucedidos e também com os fracassados.

Quando comecei o projeto, por PRIMEIRO veio a empolgação de pensar, de criar e de me preparar para algo novo. Isso está presente em quase todas as atividades que fazemos. Quando nós temos uma ideia de negócio, de trabalho ou de lazer ficamos eufóricos e queremos logo sair fazendo. Quando tomamos uma decisão, que a princípio nos parece acertada, queremos implementá-la logo. Cuidado, pode ser  a sua mente a lhe mentir… É importante agir, porém também é necessário planejar os passos, avaliar as vantagens, pesar as desvantagens e saber a fonte de recursos. Quais os impactos positivos e negativos que essa decisão terá em mim? Na minha família? Nos meus amigos? O quanto vale isso para mim? No meu caso, o desafio teria os seus impactos diretamente em mim. Terminá-lo seria uma vitória. Desistir seria um fracasso.

Treino todos os dias para a manutenção da minha saúde física e também mental (nem sempre funciona) o que faz com que eu desenvolva as habilidades necessárias para capacitar-me ao desafio. Serve como o planejamento, a avaliação e o desenvolvimento das capacidades exigidas. Quando me propus a remar 24,5km em duas etapas de 12,25km já vinha de um período ininterrupto de seis meses de treinos regulares de distâncias menores, com uma média diária um pouco acima de 6km. Para que fosse realmente um desafio me propus a quadruplicar a distância diária em duas etapas. Não seria fácil, mas também não seria impossível, segundo as minhas expectativas. Ainda teria que saber, O que a minha mente vai dizer disso? Dependeria das minhas condições físicas e também mentais. A primeira estava em dia. A segunda é variável e depende diretamente de nossa vontade. Como vontade é algo que dá e passa sempre estamos sujeitos a desistir no caminho. É aí que entra a mente que muitas vezes nos mente. Isso é replicável em qualquer área de nossas vidas. Muitas vezes temos todas as condições para fazê-lo, mas desistimos porque a nossa resistência mental não permite. A nossa mente nos mente inculcando em nós desculpas para não seguir em frente. Porém, temos que lembrar que nós não somos nossa mente e a resiliência, que é a capacidade de nos mantermos firmes ainda que em situações difíceis, está ligada a nossa determinação e não à mente. Por isso, quando quero algo tenho que preparar-me para esse fim, desenvolvendo habilidades específicas, como a resistência física ou o conhecimento técnico, e também as competências transversais, como a resiliência. Com toda a certeza quem está preparado tem mais “sorte”.

Em SEGUNDO lugar veio a execução. Começar tendo em mente que a meta está muito além dos primeiros passos. Dar início de uma maneira gradativa para encontrar o ritmo adequado sabendo que se trata de um desafio de resistência e não de força. Fazer os primeiros movimentos de forma cadenciada e com força controlada para ter resistência física até o final. Tenho que controlar o meu entusiasmo… pensava. Ainda assim, a sensação de que se tratava de um exercício fácil me veio a mente. Depois das primeiras vinte ou trinta remadas pensei que realmente não seria um verdadeiro desafio, pois o cumpriria tranquilamente. A mente me dizia, Vamos lá, Moacir, acelera que terminamos antes… A sensação perdurou pelos primeiros cinco minutos, ainda que prudentemente não tenha aumentado o ritmo contrariando a minha mente. Eu estava no controle da situação. Muitas vezes, o excesso de confiança nos leva a cometer erros crassos na realização de nossos projetos. Nos lançamos em algo com tamanha empolgação que consumimos toda a nossa energia no início do projeto. Continuei no ritmo que havia estabelecido que seguiria. Eis a importância de um planejamento. Eu sabia que havia um limite na cadência e também na força aplicada para percorrer uma distância mais longa, ainda que tudo me dissesse para acelerar. A mente voltava a me dizer, Vai fundo, Moacir. Isso aqui está fácil! Mais uma vez resisti a tentação e continuei a seguir o plano. Cadência e constância. Força controlada… voltei a pensar. Uma guerra entre mim e minha mente começava a ser travada.

Nos cinco minutos seguintes a sensação de segurança e confiança da facilidade de concluir o desafio começou a diminuir, ao visualizar que se haviam passado apenas 10 minutos dos mais de 60 que teria pela frente. Isso também me mostrava que eu apenas cumprira 2km dos mais de 12km que compunham a etapa. Um sinal de alerta se acendera em mim, Cuidado, você recém começou… Consegui fazer uma boa leitura da realidade. Estava plenamente no comando das ações. Quando cheguei aos 3km eu lembrava a cada movimento que eu precisava de oxigênio e que deveria manter a cadência dos movimentos e também da respiração sem diminuir nem aumentar o ritmo. Percorrer longas distâncias requer muito mais disciplina do que ímpeto, assim como requer muito mais cadência e constância do que força e agressividade. Na nossa vida também podemos ver tais reflexos. Com disciplina, cadência e constância constroem-se grandes projetos. Era isso que o alerta me dizia. Foi o último momento de trégua. A guerra explodiria por completo logo em seguida. A mente me atacaria duramente.

Num TERCEIRO momento a mente passou a mentir-me descaradamente. Sim, é exatamente isso. Pode parecer estranho e temos a ideia de que nós somos a nossa mente, mas não somos. Nós podemos gerir ou ser geridos pela nossa mente. Muitas pessoas viciadas em pensamentos negativos ou mesmo em comentários pejorativos sobre tudo e sobre todos, revelam aqueles em que a mente está no comando. É muito mais fácil criticar do que fazer. É muito mais fácil responsabilizar os outros do que assumir as próprias responsabilidades sobre as escolhas feitas. É muito mais fácil desistir do que seguir em frente numa atividade que de repente lhe parece rotineira, exaustiva e sem um objetivo claro. E nesse momento em que remava por volta dos 4km a mente me dizia, O que você ganha com isso? Você já está a mais de 20 minutos nessa atividade repetitiva e cansativa para que? As mensagens encontravam eco num corpo que já mostrava sinais de cansaço. O desconforto era sentido em cada movimento feito ou era isto também imaginação? Claro que era um truque da minha mente. Lembrei-me, Eu faço mais do que isso todos os dias e não me canso. É um truque da minha mente… Voltei ao comando das ações, ajeitei-me na cadeira e segui em frente. Essas provocações e enganações na avaliação da realidade feitas pela mente nos são enviadas a cada instante sempre que nos deparamos com uma suposta dificuldade. Como as mudanças são constantes a vontade muda com os pensamentos. E quando não os dominamos a mente os domina.

Muitas pessoas acreditam que 5 minutos é pouco tempo. Diria sinceramente para repensarem a situação e avaliar novamente. Cinco minutos é tempo suficiente para se mudar de ideia e desistir de um projeto construído ao longo de meses ou de anos. Num momento em que se deixa de dominar a mente pode-se jogar por terra todo um planejamento já feito, todos os recursos investidos e todos os sonhos acalentados durante uma vida. Isso voltava-me com força agora que ultrapassava a barreira dos 6km. Eu queria pensar que já havia feito quase a metade, mas a minha mente insistia em me dizer que ainda faltava mais da metade. Uma pequena mudança de perspectiva que nos faz lembrar a metáfora do copo meio cheio ou meio vazio. Observar a quantidade de suor que se acumulava em meus braços e na testa, escorrendo-me nos olhos e provocando ardência, parecia dar toda a razão para a mente. Olhava no chão ao lado do aparelho e via a poça de suor que também confirmava aquilo que a mente queria sugerir, Desista, Moacir. Você não vai ganhar nada com isso… e eu procurava desbaratar tais pensamentos lembrando que realmente poderia não ganhar nada, mas o desistir faria eu perder muito. Agora já passava dos 7km remados e nesse caso, não perder para a minha mente era ganhar e muito. Representava uma vitória pessoal de disciplina, de determinação e de força de vontade que facilmente poderia ser aplicada em outras situações de vida. A mente transforma o complexo em complicado e cabe a nós inverter o processo. Complicado é aquilo difícil de se desenrascar, mas complexo é a situação que nos oferece inúmeras alternativas, ainda que nenhuma delas seja fácil. Esse é o caminho que devemos buscar. As situações podem ser difíceis, mas se nós a olharmos entendendo a sua complexidade podem-se tirar delas oportunidades. 

Na barreira dos 8km mais uma investida da mente sobre a minha vontade. Agora com toda a força. Ela olhou para o cronômetro e disse-me, Olha aí, você tem mais de 20min pela frente. Você acha realmente que vai aguentar? A vontade de parar de fazer aqueles movimentos era enorme. Realmente não vale a pena… pensei. Moacir, o que você está fazendo? Para com isso. Para quê? Foi nesse momento que dei uma remada com mais força e… desisti. Parei… A minha mente vencia a guerra contra a minha força de vontade. Escutei o som do remoergômetro perder potência, porque já era momento de começar um novo movimento, mas eu havia desistido. Fim de conversa. A minha mente dizia, É um desafio muito grande para você, Moacir. Não seja bobo, desiste e pronto… Eu sabia que o prazer de desistir seria imediato, mas as consequências seriam duradouras. As consequências? Ai, ai, ai, as consequências… pensei. Sim, desistir qualquer idiota pode… foi o pensamento seguinte, uma frase que já disse uma centena de vezes. Foi nesse momento que recobrei a lucidez ao relembrar daquilo que me havia proposto fazer. Ninguém me havia obrigado a fazê-lo, eu é que havia escolhido fazê-lo. Por isso, respondi para mim mesmo e para minha mente, Sim, eu vou aguentar. Não vou desistir. Vou continuar porque eu quero continuar, eu posso e eu consigo … e nessa luta minha com a minha mente retomei os movimentos de um remoergômetro que quase parara. Foi somente um segundo, mas o importante é que eu não parei.

Um QUARTO momento do desafio foi a reta final da distância a ser percorrida. Ao ultrapassar a barreira dos 9km com todas as dificuldades conversacionais tidas anteriormente com a minha mente vi que a meta estava próxima. Havia vencido a batalha mental com a minha mente. Dei-me conta que realmente a capacidade física estava como deveria estar para a distância percorrida. O cansaço existia, mas era esperado. Nada tão exaustivo que pudesse ter tido alguma razão para em algum momento da prova querer ter desistido. Como pode que havia me passado a possibilidade de desistir pela cabeça? O pensamento agora era esse. Vi a marca dos 10km surgir no visor do aparelho e um estado de euforia quase tomou conta de mim. Fiz alguns movimentos mais fortes e mais rápidos, entretanto lembrei-me que a prova ainda não estava concluída. Teria pelo menos 10 longos minutos pela frente. Era a mente indo ao outro extremo. Ela também nos pode desestabilizar pela positividade sem medir as consequências. O excesso de confiança tal qual no início da jornada pode comprometer um projeto no seu final. Ao vislumbrar a meta tão próxima, nós podemos cometer o erro de pensar que nada mais nos pode deter. A arrogância pr trás do excesso de confiança pode ter um preço alto. Contive-me. Mantive a cadência e a constância. Nada de acelerar o ritmo. Equilíbrio é o caminho, consegui pensar. E foi o que fiz. Foi com essa segurança que entrei no último quilômetro a ser remado. Um pouco mais  de cinco minutos e teria concluído o meu desafio. Cansado? Sim. Olhei para o visor e faltavam 100m. Agora sim… e aumentei o ritmo para terminar o desafio com a certeza de quem dá o sprint final rumo a conquista. Satisfeito? Imensamente. Realizado? Completamente. 

O que eu ganhei? O meu respeito por mim mesmo e a certeza de que é possível dominar a mente, mudar os pensamentos e, consequentemente os rumos da própria vida. Por isso, quem realmente quer, pode e consegue!

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