É possível conversar no silêncio?

Não falo das conversas em que o silêncio constrange a quem faz uma indagação verbal. Falo de conversar no silêncio de um período de oito, dez ou trinta dias. Afastar-se da rotina barulhenta do dia a dia e buscar o silêncio para conversar consigo mesmo pode ser revelador para si e para aqueles com quem se está. Um desafio para quem está acostumado a usar a verbalização para se comunicar. Assim, conviver com outras pessoas sem conversar a conversa falada pode ser desafiador e também encantador. Tomar café com pessoas onde somente se ouve o ruído dos talheres e o suave som de uma música orquestrada pode ser apavorante ou tranquilizador. Encontrar-se para o cafezinho da manhã ou da tarde com pessoas que se aproximam em silêncio, enchem a sua xícara de café, pegam um biscoito e se afastam pode ser assustador ou calmante. Almoçar e jantar com pessoas que no máximo meneiam a cabeça num cumprimento discreto em sinal de respeito pode ser intimidante ou aconchegante. Depende de como cada um se relaciona consigo mesmo no silêncio exterior que pode trazer a calma ou revelar um ruído ensurdecedor no seu interior.

No último mês, inscrevi-me num retiro de silêncio para oito dias. Precisava me escutar. Sentia a necessidade de conversar comigo mesmo. O silêncio poderia ajudar. Cheguei à casa de retiros. O espaço é maravilhoso. O silêncio é uma norma. Os exercícios propostos nos levam para as profundezas do nosso ser. De uma maneira sequencial e ordenada vamos descendo degrau por degrau até atingir o Eu Profundo. Nem sempre gostamos daquilo que encontramos, mas faz parte do processo. Os dinamismos negativo e positivo estão presentes em cada um. Qual deles vou alimentar? É uma das questões entre tantas que nos são postas durante o período. O silêncio não tem a pretensão de nos elevar, mas sim de nos fazer descer do nosso pedestal para ficarmos ao nível do próximo. Depois do primeiro dia os sentidos antes ocultos começam a se aguçar. Começa-se a escutar melhor, ainda que não sejam as palavras. O local escolhido estava envolto pela natureza com aves, animais e o maravilhoso som do mar. Ouvem-se e se escutam sons que há muito não se tinha tempo para escutar. Olha-se, enxerga-se e se observa melhor. O caminhar suave das pessoas revela. Os gestos comedidos mostram. As pequenas gentilezas que dispensam palavras são eloquentes. Tudo fala. Tudo conversa. O tempo passa e se começa a conhecer as pessoas. Com algumas há maior identificação. Com outras menos. O respeito é compartilhado. O silêncio é expressivo.

Os dias passaram e o encontro se encaminhou para o final. Após o último almoço juntos o silêncio foi quebrado. As pessoas passaram a falar. O refeitório se encheu dos sons das vozes dos mais de quarenta participantes. O impacto é tremendo. A voz, muitas vezes, parece que não combina com quem a emite. Porém, a alegria é genuína. O afeto e o amor já estavam criados pelo conteúdo das conversas em silêncio. No silêncio das conversas resultantes de um convívio pacífico e harmônico surgiu o afeto por si e pelos outros. O afeto nos afeta e afeta aos outros. Daí manifesta-se o amor por si e pelos outros. O amor por si somente não basta, porque ele somente tem razão de ser no amor pelos outros. Sem os outros não há justificativa para silenciar, não há pretexto para conversar, não há propósito em escutar, não há intenção de observar, não há razão para respeitar, não há nada para afetar e não há motivos para amar.

Por isso, acredito que é possível conversar no silêncio para aprender a amar a si e aos outros.

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