Hoje eu caí em tentação!
Encerrávamos um dia de intenso trabalho pessoal. Muitas leituras, reflexões e silêncio exterior. Internamente, cada um com os seus ruídos. Estávamos no alto do Morro das Pedras em Florianópolis, um lugar idílico em que os sons da natureza favorecem a que nos conectemos com o Eu mais profundo de cada um. No final do dia um momento de partilha em que cada um relatava as reflexões que havia feito. Dois ou três minutos de troca em que cada um dava e recebia; compartilhava e acolhia; ensinava e aprendia. Uma senhora pede a palavra para compartilhar com o grupo a experiência do dia:
– Acredito que com a meditação, com a preparação emocional e com o apoio do Ser Supremo nós conseguimos tudo o que queremos…
E relatou a sua luta contra a obesidade que acreditava finalmente estar vencendo. Ela disse que durante toda a sua vida sofrera com o seu peso corporal, que a afligia emocionalmente. A condição de obesa gerava nela desconforto e um sentido de inadequação. Assim, sempre que surgia um novo regime, uma nova técnica ou um novo e revolucionário medicamento para emagrecimento ela era a primeira candidata. Entrava num regime, parava de comer por completo e emagrecia. Em pouco tempo voltava a querer comer tudo, por isso engordava. Foram tantas as idas e vindas do seu peso entre um regime e outro que ela havia perdido as contas. Ela variava entre a anorexia e a gula. Internamente, acreditava que o seu desejo quase incontrolável de gosto pela comida, a gula, encontraria a solução no seu oposto ao bloquear esse desejo, a anorexia. Racionalmente, sabemos que a vida não é tão simples. Emocionalmente os desafios são muito mais complexos. Quase sempre, entre os antônimos encontramos o equilíbrio que pode nos levar a harmonia. Gula ou anorexia? Entre eles está a saciedade ou a temperança que se aplica à comida, assim como serve de analogia com os demais comportamentos. A gula por conhecimento não deveria desembocar na anorexia da arrogância de se crer melhor, mas na sabedoria de contribuir efetivamente para aqueles que não tiveram a oportunidade de se desenvolverem. A gula por desempenho não deveria nos levar para a anorexia da competição com o outro, mas para a competitividade de entregar o seu melhor para beneficiar o outro. A gula por manter o foco não deveria provocar a anorexia da falta de visão sistêmica, mas a entender o impacto daquilo que se faz no todo de que se faz parte. Desse modo, o excesso em cada uma das competências exigidas pelo mercado de trabalho pode produzir o seu efeito contrário, uma vez que a solução não está nos extremos, mas no caminho do meio, no equilíbrio. O equilíbrio traz a harmonia que revela um ser humano competente emocionalmente. Por fim, se são as competências socioemocionais que validam as competências técnicas, a meditação e a oração podem ser um bom caminho.
Depois da exposição da senhora sobre a sua convicção de que venceria os seus desafios a partir da internalização de uma nova imagem sobre si mesma, apoiada na oração e na meditação, ela fez um comentário sobre as comidas oferecidas no evento. Disse que tudo estava muito delicioso no café, nos lanches, no almoço e no jantar, mas que ela havia resistido bravamente. Todos ficamos felizes por ela, até o momento que ela complementou:
– Mas hoje eu caí em tentação. Quem é que pode resistir aos churros?
Rimos, porque todos havíamos nos empapuçado com os churros. Quem é que nunca caiu em tentação? Afinal, não somos tão racionais assim. Ekman diz que “somos seres emocionais que raciocinam”, muitas vezes, travando uma dura luta interna. Parece ser verdade!
Moacir Rauber
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