SE EU SOU O QUE TENHO E PERCO O QUE TENHO, QUEM SOU?

Se eu sou o que tenho e perco o que tenho, quem sou?

Um tema recorrente, superestimado e subestimado ao mesmo tempo, está presente na pergunta: Quem é você? A pergunta que muitos ouvem, poucos escutam e quase ninguém responde. Frente a essa pergunta, quase sempre, desviamos para aquilo que temos ou aquilo que fazemos. Outro dia ainda escutava um diálogo em que a pessoa descrevia as suas posses e a trajetória de sucesso para adquiri-las, arrogando-se importância por elas. Ao me escutar e escutar outras pessoas constato que o verbo “ter” está impregnado nos nossos diálogos de forma natural e inconsciente, o que revela um modo de viver que reduz a importância do “ser”. As pessoas falam, entre elas eu, “tenho filhos”, “tenho esposa”, “minha mãe”, “tenho amigos”, “meu pai” ou “meu irmão” de igual maneira como falam “tenho cachorro”, “meu gato”, “meu carro”, ‘minha bicicleta” ou “minhas calças”. Ao usar o verbo “ser” aprofunda-se o compromisso, embora nem sempre se revele a essência de quem se é, porque se refere aos papéis sociais relacionados com as profissões. “Sou dentista”, “sou advogado”, “sou jogador de futebol” ou outra profissão qualquer. Erich Fromm fez uma pergunta instigante: se eu sou o que tenho e perco o que tenho, quem sou?

Impressionante como não sabemos quem somos e como acreditamos que temos posse de algo. Veja bem, “Tenho esposa” finda frente a um divórcio, assim como ter filhos, pais e irmãos desaparece frente a perda; ter amigos se perde numa briga; e ter carro e propriedades acaba diante de uma bancarrota. Isso porque é muito mais simples “ter esposa” do que “ser marido”; é notadamente mais fácil “ter filhos” do que “ser pais”. É imensamente mais cômodo “ter uma empresa” do que “ser um empresário”. No modo “ser” temos que assumir a responsabilidade sobre aquilo que dizemos que somos. Eis uma diferença entre aqueles que tem e aqueles que são. “Ter amigos” é natural quando se circula em diferentes ambientes sociais, contudo, “ser amigo” é uma escolha deliberada de estar presente em momentos nem sempre alegres. Entretanto, ser aquilo que dizemos que somos também pode terminar. “Eu sou jogador de futebol” termina tão logo a pessoa deixe de praticar o esporte porque já não pode mais. “Eu sou dentista” pode terminar frente a incapacidade de exercer a profissão. Cabe destacar que ainda assim, o “ser” enseja a responsabilidade de atuar bem no papel social escolhido. Se você está numa função, exerça-a com a consciência da responsabilidade do “ser”. “Quem é você?” é uma pergunta recorrente repedida diariamente em diferentes lugares e situações; é subestimada porque nos mantemos na superficialidade ou não a respondemos verdadeiramente; e, por vezes, superestimada quando nos arrogamos a importância pelo que acreditamos que temos, colocando-nos acima do que somos. Muitas vezes já me perguntei “quem sou” sem chegar a uma resposta conclusiva, entretanto sei que sou um ser humano em construção até o último dia em que respire.

Na reflexão de Pe. Checo que assisti, muitos não querem ser casados porque não terão mais a liberdade de estar solteiros em que não há o compromisso com o outro. Outros não querem ser pais porque os filhos ensejam uma responsabilidade que não cabe no seu mundo. Entendo ser uma tendência que diminui a trajetória de evolução humana no seu caminho transcendental de encontrar sentido naquilo que faz por meio daquilo que se é. Creio que se pode “ser” e “ter” sem que seja necessário “ter” para “ser”.

Frente à pergunta de Erich Frommm, “se eu sou o que tenho e perco o que tenho, quem sou?” Não sou ninguém, a não ser o patético testemunho de uma maneira equivocada de viver. Desse modo, fica mais fácil “ter” um cachorro ou gato, porque não dá para “ser” nem cachorro nem gato.

Moacir Rauber

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