
Sou adolescente…
Eram 21h e estávamos em casa fazendo um trabalho manual na mesa da sala. De repente ouvimos um estrondo violento, parecia que um carro tivesse entrado pelo portão da casa. O susto foi grande. Em seguida saímos e vimos o portão abalroado. Minha esposa olhou cuidadosamente para a rua e viu um grupo de jovens caminhando para o lado do hotel que há na rua. De carro saímos atrás dos rapazes e indagamos se haviam sido eles que haviam golpeado o portão. Disseram que não e de maneira irônica disseram que os culpados correram para o outro lado. Sabíamos que não era verdade. Perguntamos se estavam hospedados no hotel logo à frente e negaram. Outra vez sabíamos que mentiam, porque acontecia na cidade um campeonato de futebol das categorias de base e algumas equipes estavam hospedadas naquele hotel. Por isso, entramos no estacionamento do hotel e minha esposa foi até a recepção, pedindo para falar com os técnicos das equipes. Nesse meio tempo, os meninos passaram direto em frente ao hotel, dando a impressão de que não estavam hospedados ali, porque eles viram que nós havíamos entrado no hotel. Conversamos com os técnicos sobre o ocorrido e um deles disse que os seus atletas estavam todos nos quartos. Disse que os jovens, provavelmente, estavam mais adiante esperando até que saíssemos para entrar no hotel sem serem responsabilizados pelo vandalismo. Os técnicos saíram e encontraram o grupo de garotos parados na calçada uns cinquenta metros mais à frente. Retornaram e logo o responsável foi identificado. O técnico o chamou na minha presença e o jovem pediu desculpas. Um pedido que gerou a sensação de que o fazia simplesmente para não ser castigado e arrematou dizendo:
– O senhor tem que entender que sou um adolescente. Agi no impulso da emoção…
Fiquei indignado. Que cara de pau… pensei. Como é que usa a condição de ser adolescente para fugir da responsabilidade? O que estamos ensinando para os jovens sobre reconhecer uma falta? Como damos aos adolescentes a prerrogativa de votar se não os responsabilizamos por suas condutas? As perguntas seguiram ecoando na minha mente muito tempo depois de haver encerrado a conversa com o garoto e o técnico.
Acredito que é uma estratégia usada e difundida, ainda que inconscientemente, de que o mais importante é não ser flagrado pelo delito e, quando flagrado, culpar algo ou alguém. Desvirtuou-se o ditado “errar é humano, repetir o erro é tolice” transformando-o em “errar é humano, encontrar um culpado é fundamental”.
Parece brincadeira, mas vivemos um desvio ético e moral que está na base de grande parte das relações estabelecidas entre as pessoas, seja no âmbito pessoal ou organizacional. O discurso e a prática dos adultos de não delegar tarefas e responsabilidades para as crianças e adolescentes tem criado uma geração de pessoas que se tornam incapazes de serem os provedores das próprias vidas, impedindo-os de se transformarem como adultos. Ao não permitir que crianças e adolescentes assumam responsabilidades criamos jovens e adultos que irão necessitar de tutores para toda a vida, sejam eles os pais ou o estado. Por essa prática é que o adolescente fugiu da sua responsabilidade, transferindo-a para o fato de ser adolescente, uma condição temporária, que da maneira como vivemos, tende a ser permanente.
Frente ao pedido de desculpas do jovem respondi que a condição de ser adolescente não lhe dá salvo-conduto para ser violento, agredir ou ser mal educado. Reforcei que ele aproveitasse a fase para aprender com os acertos e os erros, tendo claro o que é certo ou errado para assumir as responsabilidades pelos próprios atos e apropriar-se da própria vida.
Por fim, ao justificar sua falta pela condição de adolescente ele me tomou por estúpido, porém não é necessário ser um gênio para saber a diferença entre tocar a campainha e dar um coice no portão. A menos que sigamos tratando as crianças e os adolescentes como imbecis e incapazes, estupidificando-nos como sociedade.
Moacir Rauber
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