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Um aluno aprendiz ou um ladrão de si mesmo?

Os alunos participavam ativamente da aula. Eram aprendizes ávidos por explorar o fascinante mundo do conhecimento. O professor, contudo, já começava a ficar ansioso com a possibilidade de que Joaquim, o aluno problema, chegasse a qualquer momento. Particularmente, preferia que esse aluno nem viesse. Já havia tentado de tudo para que o Joaquim se empenhasse nas aulas. O desassossego do professor com o Joaquim era real, mas também se preocupava com os seus colegas. Sempre que ele chegava as aulas desandavam. Foi nesse momento que a porta se abriu e o Joaquim entrou. De forma desafiadora passou em frente do professor e cumprimentou-o:
– Bom dia professor, tudo bem? Tudo bem com a família?
O Joaquim se dirigiu para a sua carteira. No caminho puxou o cabelo de um colega e chutou a carteira de outro. Com caretas provocava os demais colegas. Esse parecia ser o grande prazer de Joaquim. Chamar a atenção para si. O professor tentava continuar a aula sem dar importância ao Joaquim, mas era impossível. Ele agora falava alto. Ninguém mais conseguia prestar atenção na aula. O professor perdeu a paciência e pediu:
– Joaquim, por favor, será que eu posso continuar com a aula?
– Claro que pode, professor. Você de lá e eu daqui… e deu risada.
O professor parou, respirou profundamente e disse:
– Bom, Joaquim, então peço que você saia da sala.
O Joaquim empertigou-se todo e falou de forma a que todos pudessem ouvir:
– É verdade, professor. Vou sair e não vou mais voltar. Para que vou ficar aqui perdendo meu tempo…
Depois disso o Joaquim saiu da sala e não voltou mais para a escola. Quem sabe um dia ele se daria conta do que fizera nesse dia, porque ele havia se revelado como um grande ladrão. Por quê?
Nos anos em frequentara a escola, os professores perceberam que o Joaquim tinha um grande potencial. Era inteligente, criativo e comunicativo. Entretanto, as escolhas do Joaquim sempre passavam pelo confronto. Criava conflito com os colegas e com os professores. No fundo, essa postura revelava os conflitos internos que fazia com que o Joaquim se autossabotasse. Algo dentro dele exigia que ele demonstrasse uma coragem que ele não tinha, por isso brigava. Algo dentro dele fazia com que ele desafiasse os outros para ocultar o medo, que era o que ele na verdade sentia. Ele não soube fazer as escolhas certas. O Joaquim poderia ter admitido a existência do medo, entendendo-o para saber o que nele era real. Com isso, poderia ter feito escolhas que o ajudassem a ter atitudes de coragem positivas, apesar do medo. Ele optou em tomar atitudes destrutivas impulsionadas pelo medo. Com as suas escolhas, o Joaquim roubou a si mesmo quando sabotou as aulas e quando deixou a escola. Foi ele quem mais perdeu com isso. Foi o Joaquim que não desenvolveu o seu potencial. Foi o Joaquim que deixou de fazer muito do que ele poderia ter feito. Foi o Joaquim que deixou de ser aprendiz. Mas com isso, ele também roubou os professores, os colegas a família e a sociedade.
Quando o Joaquim abandonou a escola ele consumou o grande roubo. Fechou um ciclo de autossabotagem, revelando-se um autêntico ladrão de si mesmo. Não foi nem aluno nem aprendiz. O Joaquim foi um ladrão de si mesmo, dos colegas, dos professores e da sociedade. Quem sabe um dia ele deixe de ser ladrão e volte a ser um aluno e um aprendiz.
E você, é um aluno aprendiz ou um aluno ladrão?

 

Você quer ensinar?Você está disposto a aprender?

– Não, não dá. Essa tecnologia toda, internet pra lá e pra cá. Eu não uso e não quero saber. Outro dia vieram com um tal de “tablete” pra mim. Eu falei que não quero! Quero dar a aula e pronto… E continuou discorrendo sobre a sua revolta com o atual mundo da tecnologia.
Ouvia a conversa sem interferir, entretanto me perguntava, E pode ser um professor? Questionava-me, porque, em minha opinião, alguém que quer ensinar também deve estar disposto a aprender, exerça a profissão que exercer.
O surgimento de novos aplicativos tecnológicos para usos em áreas tão diferentes como a saúde, a comunicação, a educação e o lazer é uma realidade objetiva que não está mais ao alcance de um ou outro indivíduo negar. Não está mais no controle do professor que fez o seu desabafo, do aluno, do empreendedor, do meu ou do seu dizer que não existe ou discordar. A tecnologia vai continuar no ritmo de desenvolvimento determinado pelas pessoas que a usam e que são a grande maioria. O que está no controle de cada um é como vai se relacionar com ela. Muitos ainda dizem, É, as pessoas não têm noção. Exageram. Fazem fotos no velório para postar… É verdade. Mas bom senso não é questão da tecnologia. A falta de noção sempre existiu e vai continuar existindo, dependendo exclusivamente das pessoas. Por isso, entender, conhecer, saber, diferenciar, escolher e disciplinar o uso da tecnologia depende de cada um, assim como manter a mente aberta para a aprendizagem.
A resistência à aprendizagem nada tem a ver com o surgimento da tecnologia, isso é um movimento de oposição de indivíduos que querem que tudo se mantenha como está. Para muitos, aprender dá trabalho e estes ficarão perdidos transformando-se rapidamente em analfabetos funcionais. Melhor qualidade de vida terão aqueles que acreditarem que aprender é um prazer, entre eles professores, alunos e empreendedores.
No meu ponto de vista, aqueles que pretendem atuar como instrutores, professores, consultores ou outras profissões que trabalham com a formação de pessoas, assim como aqueles que se identificam como empreendedores deveriam ser os primeiros no processo de disponibilidade para a aprendizagem. Não quer dizer sair por aí se enchendo de penduricalhos tecnológicos, mas sim saber do potencial e do uso da tecnologia para poder se beneficiar dela, abrindo-se para a sua intuitividade. Com isso se pode melhorar o mundo. Não roube de si nem dos outros a possibilidade de viver melhor pelo uso da tecnologia.
Você quer ensinar? Sim. Então o “sim” deveria ser uma obrigação quando confrontado com a pergunta: você está disposto a aprender? Eric Hoffer, falecido em 1983, já dizia, “Em tempos de mudança, os aprendizes sobreviverão, enquanto aqueles que acham que sabem muito estarão preparados para um mundo que já não existe.”Pensando nisso, um aprendiz pode ser professor, mas um professor, obrigatoriamente, deve ser um aprendiz, seja na profissão que for. Não roube de si o direito de aprender sempre, porque um aprendiz pode ser o que quiser…

Abordagem subjacente no livro Ladrão de si mesmo

Moacir Rauber